11. Catarse

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Capítulo 11 | O Silêncio das Flores


Ela tentou por uma semana inteira. Dar bom dia a alguém na rua, agradecer alguém no mercado, responder perguntas aleatórias de pessoas aleatórias. Mas nada. Zoey sentia que se pressionava cada vez mais, o que a deixava ainda mais ansiosa e frustrada. Lana havia dito, por mensagem, que a fala teria que sair naturalmente. Zoey começou a fazer exercícios de respiração para se acalmar todos os dias, principalmente antes das aulas. Já havia se acostumado com os colegas e os professores – e os professores com ela – por mais que, às vezes, Zoey ainda passasse por situações constrangedoras. Era sempre vítima de brincadeiras, mas nada considerado tão grave. Porém, aquelas piadas começavam a doer em Zoey como nunca. Antes, ela costumava a guardá-los em uma gaveta de sua mente e aproveitava para rir, sem graça, junto com os colegas – pois não queria deixá-los constrangidos. Mas Zoey estava se tornando cada vez mais intolerante e sensível à sua causa. Começou a deixar claro pela sua expressão que não estava gostando de nada daquilo. As pessoas perceberam – sobretudo professores – e, aos poucos, a pressão e as brincadeiras por parte deles foram diminuindo.

Houveram muitas mudanças. Quando havia atividades em dupla, Liam sempre se oferecia para fazer com ela. Zoey cada vez mais o admirava. Era um menino inteligente e dedicado. Um dia, porém, alguns garotos começaram a dizer coisas maldosas sobre eles. Zoey não ouviu nada, mas viu o olhar malicioso dos colegas sobre ela. Liam disse algo, claramente irritado, e saiu da sala com o semblante sério. Os garotos riram debochadamente, e Zoey preferiu ignorá-los. Não tinha certeza se queria saber o que falaram dela.

Certo dia, em um sábado, a mãe de Zoey pediu para que ela fosse à praça comprar alfaces em uma das barracas que montavam todos os finais de semana. Ela foi de bom grado, dizendo a si mesma que não era obrigada a falar. Apenas pegar a alface e entregar o dinheiro.

Distraidamente, ela chegou à praça – que ficava mais cheia que o normal aos fins de semana – e foi até às barracas de comida. Algumas pessoas ali eram novas. Zoey escolheu a barraca de um senhor de idade, de aproximadamente sessenta anos, que vendia verduras. Enquanto ele atendia uma senhora, Zoey pegou uma das alfaces e o dinheiro no bolso.

- Bom dia, mocinha. – o velho homem deu um sorriso simpático. – Deseja mais alguma coisa?

- Não. – ela ergueu a mão com as moedas. – O-obrigada.

- Eu que agradeço. Tenha um bom dia – ele lhe sorriu, pegando as moedas e guardando-as.

- B-bom di-a – ela respondeu baixinho, duvidando que ele houvesse escutado.

Zoey andou rapidamente para longe das barracas e das pessoas, parando próxima a uma das árvores da praça. Sentiu o rosto quente e a respiração ofegante, com se tivesse corrido uma maratona. Eu consegui, ela disse para si mesma. Eu consegui. Ela havia se sentindo idiota e envergonhada, mas ela falou. Tentou não pensar muito na forma como o homem havia percebido sua entonação ou seu comportamento inibido. Aquilo não importava – ele não a conhecia.

A moça abraçou as alfaces e respirou fundo. Sentiu algo reconfortante no peito, apesar do choque inicial e seu corpo ainda em alerta. Não fora fácil, mas ela conseguiu. Ela percebeu que as tentativas anteriores, as quais ela havia fracassado, foram essenciais para que ela conseguisse chegar àquele ponto. Ela tentou. Sozinha.

Resolveu guardar aquilo para si mesma. Era apenas a primeira conquista - ainda havia muito o que fazer.

❀❀❀

Aos poucos, Zoey foi entendendo o que se passava com ela. Começou a notar a reação do próprio corpo diante de pessoas e situações desconfortáveis. O pior lugar era a escola – era onde ela mais se sentia presa e observada. Seria impossível falar em qualquer parte daquele lugar; mesmo consigo mesma. A impressão que tinha era que alguém pudesse escutá-la a qualquer momento. Zoey mal podia tossir perto dos outros – todos procuravam, na maldita tosse, algum resquício de sua voz. Aquilo a irritava. Era como se só aquilo importasse para eles. Uma pessoa não era apenas uma voz – era um corpo, uma inteligência, um coração. Cada vez mais percebia coisas que antes ela não conseguia. Seu rosto, suas expressões, o modo de se comportar em locais que lhe causavam ansiedade. Percebera que seus ombros ficavam tensos demais na escola, e os cenhos estavam constantemente franzidos. Zoey tentou suavizar sua expressão e o modo de andar, que era sempre muito rígido. Olhava-se no espelho em casa, muitas vezes odiando o que via, mas tentava. Via em seus olhos tristeza e solidão. Eles quase nunca brilhavam – no espelho do banheiro feminino da escola, principalmente. Era como se, no colégio, ela se tornasse outra garota. Então ela soube que aquela não era ela. Estava longe de ser a verdadeira Zoey.

O Silêncio das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora