Kelly estava de olhos fechados, mas estava acordada.
Sabia porque conseguia ouvir tudo, sentir tudo.
Conseguia ouvir os médicos conversando baixinho ao seu lado; conseguia sentir a dor que envolvia cada membro de seu corpo.
Mas essa dor não se comparava àquela que marcava o coração e a alma de Kelly:
O pai com o pescoço cortado.
A mãe de olhos vazios.
Esses pensamentos a trouxeram de volta à realidade, e ela finalmente abriu os olhos.
Ela reconheceu a luz branca e ofuscante que feria seus olhos. Reconheceu o cheiro familiar de urina e desinfetante. Reconheceu as vozes rápidas e sussurradas que pararam imediatamente quando Kelly abriu os olhos.
Ela estava novamente no hospital. Que novidade.
Ela tentou se mover, mas parecia que seu corpo estava sedado, então ela só podia correr os olhos pelo cômodo - mais um quarto normal de hospital. Ela percebeu que respirava por uma máscara de oxigênio, e havia várias agulhas em seus braços, injetando soro em seu corpo. E então, pessoas começaram a se aproximar e a entrar em seu campo de visão: duas enfermeiras e um médico que ela nunca havia visto antes.
- Kelly Anderson? - O médico perguntou, cauteloso. - Consegue me ouvir? Pisque uma vez pra não e duas pra sim por favor.
Kelly piscou lentamente duas vezes. Sim.
- Ótimo. Kelly, consegue se lembrar de quem é você?
Mais duas piscadas.
- Bom, bom. Mais uma pergunta, Kelly. Você se lembra do que aconteceu?
Kelly não piscou. Ficou encarando o médico, sentindo os olhos arderem com as lágrimas que se formavam.
- Kelly, isso é importante. Você se lembra do que aconteceu? Pisque uma vez para não, e duas para sim. - O médico repetiu.
Kelly, com lágrimas nos olhos, piscou uma vez, mesmo sabendo, mesmo lembrando.
O pai com o pescoço cortado.
A mãe de olhos vazios.
- Certo. Então vou explicar. Kelly, você e seus pais sofreram um acidente de carro enquanto dirigiam para a cidade vizinha, Cold West City, que é onde você está agora. Seu pai perdeu o controle do volante quando passou por uma rua congelada, e vocês caíram por quinze metros até atingirem um lago congelado.
"Não", Kelly pensou. "Você está errado. Não foi a rua congelada que causou o acidente. Foi a velha, aquela velha demoníaca, aquela velha que estragou a minha vida..."
Vendo que Kelly permaneceu imóvel, o médico continuou.
- Vocês ficaram aproximadamente uma hora embaixo da água, antes que outra família que passasse de carro avistasse o seu. Lamento dizer que seu pai morreu na hora, com uma perfuração no pescoço, e sua mãe se afogou pouco depois. Mas você Kelly... - O médico sorriu, como se essa notícia fosse animá-la. - Você foi encontrada com um pedaço de ferro perfurando a sua barriga, e já morta por afogamento e sangramento, mas de alguma forma você voltou a respirar quando te tiraram da água. Você é uma garota muito sortuda, Kelly. Um milagre te salvou.
Milagre? Como ele ousa chamar isso de milagre? Como ele ousa chamar isso de sorte? É sorte ela ter perdido os pais de uma forma brutal? É sorte ela ser uma órfã agora, sem casa e nem esperança? É sorte ela ter sobrevivido, mesmo quando queria ter morrido, pra ficar junto dos pais? Aquilo era sorte?
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A História De Kelly Anderson
HorrorA vida de Kelly Anderson, embora solitária, era feliz e, acima de tudo, normal; no entanto, um terrível acidente a leva para o orfanato Saint Marie, lugar onde ela cresce e desenvolve uma forte amizade com esse menino, William Woods. No entanto, a c...