Capítulo 1 - "Príncipe"

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         A noite cobriu a pobre Vila Raio do Sol. A cada instante que escurecia, uma névoa ficava mais densa e trazia um frio que congelava até os ossos. Exatamente por isso, os aldeões entravam em suas casas de enxaimel em busca de conforto. As construções eram consideravelmente velhas, pela época que foram erguidas sendo hoje mais raras. No meio das ruelas dessas habitações, uma figura trajando uma jaquetão de lã e uma espada longa em seu estojo de couro caminhava evitando as poças insalubres deixadas pela chuva. A roupa lhe oferecia mobilidade nas vielas sujas de água podre, nas quais ratos passeavam.

         Saindo dos becos imundos se deparou em uma encruzilhada. Na outra esquina, um poste de madeira tinha uma inscrição em língua comum onde dizia ser uma estalagem. Ao se aproximar a passos silenciosos, a pessoa fez um sinal com as mãos, revelando uma nova inscrição. As novas palavras cintilavam em azul em escrita rúnica, essa frase dizia:

         - Refúgio para magos, com senha.

         A pessoa tateou a porta antes de empurra-la levemente, ao atravessar por ela, estava em uma bar lotado. Era estranho uma vila tão pequena ter um lugar ativo a noite. Passou pelas pessoas dançantes e risonhas até se alcançar o garçom. O mesmo acabara de servir alguns Inquisores, logo, esses soldados partiram de volta ao êxtase da bebedeira. O recém-chegado passou de raspão pelos guardas locais da Inquisição cabisbaixo, indo ao taverneiro. O homem atrás do balcão trajava roupas velhas e tinha um rosto expressivo, limpava uma caneca quando viu o novo cliente o chamar:

         - Vou querer uma cerveja preta Nizilana, por favor.

         O copeiro deu uma cusparada  no chão e chamou outro garçom mais jovem:

         - Gardney, traga o melhor da cidade a esse bom moço. - esbravejou, com sua ordem cortando o burburinho. Enquanto isso, o recém-chegado largou cinco moedas de bronze sobre o balcão limpo.

         A última cintilou de maneira estranha, rodopiando mais do que deveria para cair com um tintilar incomum. Era magia impregnada na moeda. A mão pesada do atendente disparou e tapou a pecinha de metal, demonstrou surpresa na feição.

         - Não faça isso em meio de tanta gente, eu não quero ir pro pelourinho ou a fogueira! - sussurrou com uma evidente raiva próximo do cliente, segurando no colarinho.

          Então, o individuo retirou seu capuz. O garçom pensava que era um garoto, mas então escutou a voz e viu as feições delicadas:

         - Eu não ligo o que vai acontecer com você... - disse a mulher de pele negra, com o rosto impassível de empatia.

         Ela possuía cabelos loiros curtinhos, e uma tatuagem avermelhada em forma de cicatriz que mapeava o rosto, começando na bochecha, passando pelo olho e terminando acima da sobrancelha. O taverneiro a soltou demonstrando espanto, em seguida o outro atendente mais jovem serviu a cerveja para a moça esbelta. Ela bebeu tranquilamente, observando as quinquilharias das prateleiras na parede enquanto sentiu gotas d'água gélidas passando por entre seus dedos.

         O homem esquadrinhou a jovem displicentemente e desleixada. Coçou sua barba fina, com o rosto mostrando emoções conflitantes. Tentou dizer algo com sua voz entrecortada, porém foi interrompido pela moça:

         - Quero um quarto, - disse, fazendo um sinal com as mãos e mostrando de forma mais evidente sua feitiçaria - estou viajando a noite toda, por favor.

         O atendente novato constatou o uso de feitiçaria, arqueou as sobrancelhas com choque. A feiticeira fora descuidada. Rapidamente, ele alertou com sobressaltos, apontando para ela. O garçom mais velho sabia que ali era um refúgio para quem utiliza de magia, entretanto não parece que o atendente novato não foi informado sobre.

         Uma confusão se instaurou, a maioria das pessoas se afastaram. Da baderna, alguns correram para fora, já garçom mais velho tentou acalmar o outro. O alvoroço ficou mais forte quando alguém anunciou a chegada dos Inquisidores.

         Porra, só me faltava essa, pensou a loira.

         Ela olhou de soslaio para os soldados de tabardo vermelho e preto, com um símbolo de dragão no centro. Haviam três, portando espadas reluzentes contra a luz da luminária de velas do teto. O maior deles retirou sua viseira pontiaguda de sua armadura gótica, com um júbilo por pegarem uma feiticeira desprevenida.

         - Pelo decreto Imperial da Depravação Mágica, você será presa. - anunciou, enquanto os outros a cercavam.

         A feiticeira ficou inequívoca, e bebeu mais um gole de sua cerveja Nizilana. Limpou a espuma dos lábios carnudos e posou a caneca no balcão. Repentinamente, a arremessou no ar e os guardas recuaram e olharam para a caneca no ar. Nesse pequeno instante de distração, a mulher fez três sinais com sua mão direita, imediatamente a atmosfera do lugar aqueceu-se. De sua mão uma explosão incendiária mágica empurrou o soldado maior. Derretendo seu rosto.

         Um dos outros deu uma cortada por cima da feiticeira, porém ela teve destreza o suficiente para desviar um pouco, e a espada do oponente apenas resvalou em sua armadura leve. Ela agarrou a mão do inimigo e a apertou, liberando uma magia piromaníaca. O feitiço queimou parte da pele e do metal da armadura junto, causando um dano horrível. A garota o agarrou e lançou com toda sua força para o último inimigo de pé.

         Contudo, o Inquisidor desviou e então disparou na direção dela com uma estocada. A mulher brandiu sua espada longa e ambas se chocaram, produzindo o tintilar horrível de metal. Ambos se afastaram e o sujeito deu uma cortada pela lateral, a feiticeira interceptou o golpe e em seguida deu uma espadeirada mirando no pescoço. A pescoceira do Inquisidor lhe protegeu. Ele levantou sua arma para um ataque brutal.

         A garota deu um pequeno salto para o lado no momento do ataque, vendo a vulnerabilidade deu uma cortada avassaladora em seu elmo. Fazendo-o cambalear e ficar com a guarda totalmente aberta. Então, fez mais alguns sinais com a mão, lançando um feixe de fogo. O homem começou a se debater com desespero, a plateia assistia horrorizada. Os poucos que estavam ali, finalmente, correram. Alguns ficaram congelados de horror.

         A mulher esboçou um sorriso sombrio. Adorou a experiência de matar a sangue frio, para ela isso revitalizava sua alma sádica. Buscou um saco de juta, e arremessou aos atendentes.

         - Espero que isso pague o estrago que fiz, - expressou-se - aliás, fogo mágico não se apaga com água normal. Façam algo contra isso.

         O guarda Inquisidor que teve seu pulso incendiado, ainda vivo, berrou contra a feiticeira:

         - Vamos te caçar! Vamos matar vocês, rebeldes! - brandia e arfava.

         A mulher de cabelo Joãozinho olhou de soslaio, e mostrou mais um sorriso perturbador. Ela fez um último sinal com os dedos, lançando uma minúscula bola de fogo no olho do soldado. Gritou com a dor lancinante. Era possível escutar pedidos de ajuda do Inquisidor quando a feiticeira já estava se enfiando em um beco escuro. 

         Observou o descompostura caótica das pessoas, de mais guardas entrando na estalagem e bar. Alguns deles começaram a correr pela avenida principal, na direção oposta onde estava observando das sombras. Constatou que naquele tumulto aldeão passou a mão na porta, no mesmo ponto onde ela também tocou antes de entrar.

         Era um homem com um traje inteiramente de couro, fumando um cachimbo. Mesmo ao longe, sentiu que aquele ar estava saturada de magia. O desconhecido entrou no bar, como se quisesse avaliar o dano causado. A moça começou a correr pelo beco, se afastando, e imaginando se esse feiticeiro percebeu a mensagem escrita na porta de madeira.

       - Me chamo Astrid, o verdadeiro Príncipe. 

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