E são veganos!

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Hoje vamos começar nossa discussão sobre um dos tópicos mais populares
da psicologia social — o professor Levy está dizendo. Mal presto atenção,
porque estou totalmente distraída com os cílios de Max. Eles são tão longos que
mesmo que ele esteja sentado uma fileira à minha frente, bem à esquerda, eu
ainda consigo ver o finalzinho deles despontando no seu perfil. Conheço esses
cílios. Além de hoje, além da semana passada. Conheço esses cílios desde
sempre.
Mas isso não quer dizer que esses cílios me conheçam. Desde que deixei o
cds, com o cartão de identificação roubado enfiado no bolso de trás da calça
jeans, tenho pensado muito naqueles pavões. Obviamente, o Centro para
Descoberta de Sonhos é um lugar excêntrico, e fui parte dele. Além disso, eu
aparentemente tive pesadelos tão vívidos quando criança que precisei de ajuda
profissional para tratá-los. O que isso quer dizer sobre até onde minha
imaginação vai? Quem sabe do que minha mente é capaz? Não consigo explicar
ainda, mas devo ter visto uma foto de Max em algum lugar e meu cérebro cuidou
do resto. O que não é apenas vergonhoso e patético, também parte meu coração.
Saber que, de fato, estive sozinha esse tempo todo.
— O tópico que vamos discutir hoje é amor — Levy diz agora, e eu por fim
olho para o quadro.
— Mas primeiro precisamos começar com o básico — ele continua. —
Apego. Alguém pode me dizer quem é responsável pelo estudo do apego?
Kevin?
— Hum, Freud? — Kevin MacIntire murmura quase inaudível. Ele é um
garoto grande que ainda tem que crescer dentro da carcaça. Eu o pego às vezes
me encarando durante a aula com uma expressão vidrada, mas ele nunca sequer
disse oi.
— MacIntire, você respondeu Freud para quase todas as perguntas que fiz
este ano. Elogio sua perseverança, mas faça suas leituras. Max, o que você pode
dizer sobre isso? — Levy ergue um pouco o queixo, autorizando Max.
— John Bowlby — Max diz sem sequer pestanejar. Como sempre, ele se
senta ereto na cadeira, nunca olhando para nenhum lugar além do quadro, Levy
ou seu caderno de anotações organizadas e concisas. Sei disso porque
normalmente estou observando-o. Ele tem esses pulsos perfeitos. Fortes, mas
delicados ao mesmo tempo, com pele lisa, as articulações posicionadas bem
depois do final da manga de seu suéter cor de mingau de aveia, que ele
arregaçou logo abaixo dos cotovelos. Estou hipnotizada por eles, quão lindos
são, e quão engraçado é que uma parte tão íntima de uma pessoa possa estar na
nossa frente todos os dias, embora nós nunca notemos.
— Bowlby! — Levy diz em voz alta, erguendo os braços em um aleluia e
trazendo minha mente de volta para o estado de atenção. — Correto. Vocês que
fizeram a leitura, como Max, devem se lembrar que Bowlby acreditava que
experiências na infância têm uma influência importante em nosso
desenvolvimento e comportamento posterior na vida. Certo? E nossos estilos de
apego são estabelecidos através das relações de criança e cuidador, ou, em
palavras mais simples, seus relacionamentos com os pais. Faz sentido?
Assinto e me pergunto brevemente o que acontece se você mal teve uma
relação cuidador-criança. Se sua mãe se mudou para meio mundo de distância,
então você passou a maior parte das tardes colocando seu buldogue gorducho em
um tutu e fingindo entrevistá-lo como a Oprah.
— Alguém pode me dizer por que formamos essas conexões precoces para
começar? A qual propósito elas servem? — Levy pergunta. Ele é respondido
com silêncio.
— Sobrevivência — digo sem erguer a mão.
Max se mexe em seu assento, mas não vira o corpo. Levy parece
agradavelmente surpreso.
— Está certo, Alice — ele diz. — Poderia elaborar?
— Tudo bem — digo, de súbito um pouco envergonhada. — Quero dizer, é
bastante óbvio, certo? Nós nascemos essas coisinhas pequeninhas, incapazes de
fazer qualquer coisa sozinhas. Então precisamos de alguém para fazer tudo para
nós. Apego a uma outra pessoa nos garante que sempre estaremos próximos de
alguém que pode fazer isso. Que vai garantir que sobrevivamos.
Levy concorda com a cabeça.
— Mas, mesmo com a sobrevivência como base dessas conexões precoces,
não é o único resultado positivo. A teoria do apego supõe que a criança que teve
um cuidador responsável, que a apoia, desenvolve um melhor senso de
segurança. A criança sabe que o cuidador é responsável, o que cria uma base
para ela então explorar mundo.
Levy se vira novamente para o quadro-negro e começa a escrever os estágios
do apego, que é com certeza a questão que vou errar na prova, porque é
exatamente o momento que começo a sair do ar. Uma base da qual explorar o
mundo. Fico revirando a frase na minha cabeça. Minha mãe havia ido embora
quando eu tinha sete anos, e é claro que meu pai estava lá… só não estava
sempre, bem, lá.
De repente ergo os olhos e noto Max encarando meus dedos saltitantes, que
eu nem tinha notado que estava batucando. Dou um tapa neles por instinto. Ele
olha para mim perplexo e dirige o olhar para a frente de novo. Meu corpo inteiro
formiga, uma combinação de vergonha e a sensação de sentir os olhos dele em
mim.
— E não tem outros tipos de apego? — Leilani Mimoun diz. — Como em
adultos?
— Srta. Mimoun! — Levy faz graça. — Tão ansiosa para discutir essa bela e
trágica coisa que chamamos de amor. — Ele se empoleira no canto de sua mesa,
suas mãos pressionadas sobre o coração.
Leilani cora, tira os óculos e começa a limpar as lentes furiosamente. Ela está
totalmente apaixonada por Levy. Ela é a primeira a chegar na aula e a última a
sair, nunca deixa de entregar uma tarefa de casa, e limpa seus óculos sempre que
ele lhe faz uma pergunta direta.
— Nós vamos chegar a isso na próxima aula — ele diz. — Mas existem
muitas teorias. Alguns pensam que o amor está dividido em duas categorias:
passional e compassivo. Passional vem primeiro e dura apenas alguns anos no
máximo, seguido do compassivo, que é mais forte e mais durável. Outros
ponderam que existem três componentes para o amor: intimidade, paixão e
comprometimento, e diferentes combinações dessas três coisas produzem
diferentes tipos de amor. — Ele desenha um triângulo no quadro e começa a
escrever palavras em torno dele.
amor romântico = paixão + intimidade gostar = intimidade
amor vazio = apenas comprometimento
— Isso é triste — digo antes de conseguir me segurar. — Amor vazio. —
Não consigo deixar de olhar para Max. Quando olho para ele, não consigo nem
conceber que algo como amor vazio seja possível.
— Isso é bobagem — Max diz. E, quando Levy se vira para ele com as
sobrancelhas erguidas, ele explica: — Por que tentar explicar algo arbitrário
como o amor? É tipo a coisa menos definível no mundo.
— Não conte isso pra Celeste — alguém fala do fundo da sala, e todo mundo
solta risadinhas. Todo mundo menos eu. Eu só sinto náusea. Então Max e
Celeste não são apenas um casal. Eles são aquele casal. Aquele casal perfeito,
que todo mundo conhece, que todo mundo quer ser. Max e eu nem existimos na
mesma frase.
— É a natureza humana, é claro — Levy diz, ignorando o comentário. —
Queremos definir o que não entendemos. Mas vamos chegar a essa parte
também. Viu, pessoal, psicologia social não é incrível?
Todos nós resmungamos e reviramos os olhos enquanto o sinal toca.
— Ah, e antes que eu me esqueça! — Levy diz em voz alta enquanto as
pessoas começam a guardar suas coisas. — Trouxe uma coisinha para vocês,
meus jovens acadêmicos esforçados. Sei o que estão pensando: um gênio e um
chef? A resposta é sim. Peguem um quando estiverem saindo. — Ele tira um
pequeno pote de dentro de sua escrivaninha e o abre, revelando cookies com
gotas de chocolate surpreendentemente perfeitos. — E são veganos! — ele
acrescenta.
Depois de ouvir o nome de Celeste, tenho basicamente o oposto de fome.
Mas nunca tendo encontrado um cookie de que não gostasse, sou uma das
primeiras a pegar um. É suculento e macio, e minha boca começa a se encher de
água. Estou prestes a afundar os dentes nele quando alguém pega minha mão de
repente, afastando-a da minha boca e me arrancando da minha euforia com
cookies.
— Não coma isso! — Max grita, seu tom quase irritado, enquanto joga o
cookie na lixeira como se estivesse em chamas, mais agitado do que eu o vi em
dias, mais agitado do que eu o vi talvez… desde sempre. Então seus olhos me fulminam, arregalados, como se não pudesse acreditar no que acabou de fazer.
Engulo em seco. Nós dois olhamos para baixo, para a lixeira, e consigo ouvir
Max respirando pesadamente.
— Pobre cookie — é tudo o que consigo pensar em dizer. Porque falo sério,
ele realmente parece tão triste ali sozinho, e também porque tenho que preencher
o silêncio.
— É feito com farinha de avelã — Max responde afinal, baixando sua voz de
volta ao normal e sem tirar os olhos do lixo. — Ele os trouxe ano passado
também. — Há outra pausa antes que Max pergunte, um pouco baixo: — Você
está bem?
— Sim — consigo dizer, ainda sem ousar olhar para seus olhos. —
Obrigada.
— Não tem de quê — ele diz, correndo a mão pelo cabelo. Então ele
pigarreia e sai da sala com passos largos, como se deixar a cena do crime fosse
apagá-lo de algum dia ter acontecido.
— Isso foi rude! — Leilani Mimoun diz enquanto se aproxima de mim. —
Vocês são amigos?
Mas não consigo responder, porque minha mente está muito, muito longe,
parada em um carrinho de rua em Bangkok.
Ele se lembrou da minha alergia a nozes.
Porque ele se lembra de tudo.
Porque ele estava lá.
Porque ele é o Max dos meus sonhos no final das contas.

O garoto dos meus sonhos - Lucy KeatingOnde histórias criam vida. Descubra agora