É na verdade uma palamenta dupla

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Enquanto eu vinha tentando encaixar as peças do quebra-cabeça nas últimas
duas semanas, ele esteve lá o tempo todo. Meu Max. É realmente ele. No meio
de toda minha ansiedade e minhas dúvidas, ele estava lá o tempo todo,
literalmente ao meu alcance. Uma carteira para a frente e para a esquerda. Estou
caminhando pelo corredor em uma neblina, tentando entender com exatidão o
que isso tudo significa, quando vejo com o canto do olho os cachos de Oliver
passando por uma porta no edifício de ciências e paro para vê-lo.
— Jeremiah — Oliver está dizendo calorosamente para um garoto gordinho
com uma camiseta do World of Warcraft. — Não sei outro jeito de explicar isso.
A existência de dinossauros não prova de maneira alguma que dragões algum dia
caminharam entre nós.
— Estou apenas pedindo que você admita que, só porque ainda temos que
descobrir ossadas, não quer dizer que eles são criaturas puramente míticas! —
Jeremiah agita as mãos, sem dúvida suadas. — De que outra maneira você
explica as ruínas queimadas na Romênia que mostrei a você semana passada?
— Me mostre um osso de asa, e aí conversamos — Oliver diz, dispensando-
o. É neste instante que ele me nota. — Falando em donzelas medievais. — Ele
sorri.
Sorrio de volta:
— Não parem por minha causa, isso parece interessante.
— Nós já estávamos terminando aqui de qualquer forma — Oliver diz. —
Esse é o nosso fã-clube semanal de Game of Thrones. — Ele aponta para
Jeremiah, que agora eu vejo que é a única outra pessoa na sala. — Jeremiah, essa
é a Alice. Está um pouco cedo para notar, mas tenho bastante certeza de que ela
será minha primeira esposa.
Jeremiah cruza os braços:
— Garotas não são autorizadas.
— Nós autorizamos garotas a entrar, Jeremiah — Oliver diz. — Só que
nenhuma delas quer se juntar a nós.
— Vou dar uma festa na sexta-feira — Oliver me diz enquanto caminhamos até
nossos veículos de duas rodas. — Meus pais estão fora da cidade… de novo.
— E você não quis convidar Jeremiah? — digo com falsa incredulidade. —
Mas ele parece tão amigável!
— Ah, eu convidei Jeremiah — Oliver diz. — Todo mundo é bem-vindo nas
minhas festas. Eu não concordo muito com essa droga de panelinha escolar. Ao
contrário de certas pessoas…
Ele olha para onde Max está, em pé perto de Frank, agindo em parte
desengonçado e em parte irritado. Meu coração dispara quando olho para ele
pela primeira vez com a certeza de que tudo foi real. Tudo isso é real. Então ele
encontra meus olhos, e olho imediatamente para a calçada de novo.
— Wolfe — Oliver diz, puxando seu chaveiro e destravando o Segway com
um bipe-bipe como se fosse um Porsche. Ele ou está alheio à tensão ou está
apenas sendo educado e, já que é Oliver, é mais provável que seja a última
opção. — Estava aqui contando para Alice que vou dar uma festa e, como não
excluo ninguém, até pessoas como você podem ir.
— Obrigado pela generosidade — Max diz.
— Então você vai, Alice? — Oliver ignora Max. — É sexta-feira. Venha
cedo, se quiser, então teremos um pouco de tempo a sós. — Ele olha para Max e
dirige para longe.
— Por que ele está sempre com você? — Max franze a testa.
— Talvez eu é que esteja sempre com ele — digo, e a testa de Max se franze
mais ainda. Então ele olha para os próprios pés por um minuto. Quando levanta
os olhos de volta para mim, dessa vez seu olhar é ponderado, mas sua expressão
é gentil.
— Então — ele diz. — Podemos conversar?
Eu mal sabia o que era remo esportivo até chegar a Boston, mas aqui ele é
praticado em todos os lugares. Pelo menos todos os lugares no Charles River; e,
já que o Charles River serpenteia por toda a divisa de um lado, separando Boston
e Cambridge, você basicamente não consegue evitá-lo, nem os barcos das
equipes que pipocam na costa. O esporte parece chato e lindo, tudo ao mesmo
tempo. Chato, imagino, para as pessoas empurrando os remos para a frente e para trás, todos enfileirados como um bando de patinhos musculosos. Lindo para
o resto de nós, que pode lhes assistir deslizando em conjunto, trabalhando juntos
em perfeito uníssono.
— Esse é um barco de remo legal — digo, referindo-me a um homem que
passa por mim e por Max em um brilhante barco cor de caramelo. Quero sacudir
minhas pernas dentro da água, mas ela parece um pouco escura demais para isso,
então me contento em cutucar folhas com um galho.
— É na verdade uma palamenta dupla — Max diz.
— Uma o quê?
— Uma palamenta dupla, porque ele está usando dois remos. Quando cada
remador está com um remo só, é chamado de palamenta simples. — À expressão
no meu rosto, ele responde: — Eu sei, é ridículo.
— Como você sabe tudo isso? — pergunto.
— Eu não sei. — Ele dá de ombros. — Eu só sei.
Uso meu galho para pegar um pedaço de lixo e colocá-lo ao lado da doca.
— Você acha que tem algum defunto aí? — pergunto. Tenho esse hábito de,
sempre que estou em um lugar remoto, me perguntar se aquele seria um bom
lugar para largar um corpo. Com todos os crimes não resolvidos por aí, onde as
pessoas estariam colocando os cadáveres?
Max explode numa gargalhada. É a primeira vez que o ouço rindo na
realidade. Nos meus sonhos, ele ri o tempo todo.
— Você é tão esquisita — ele diz e se inclina sobre a doca, apoiando-se nos
cotovelos.
— Aham, aham — digo. — Já ouvi essa. — Mas quero dizer “por que
estamos fugindo do assunto?”. Eu viro meu corpo na direção dele, me apoiando
em uma mão para ficar de frente para ele. — Então? — Estou fazendo meu
melhor para permanecer descolada e casual, mas, apesar disso, estou sorrindo de
orelha a orelha. Não conseguiria evitar nem se quisesse. Aposto que, se
tivéssemos um eclipse solar inesperado neste exato momento, meu corpo inteiro
brilharia no escuro. Não consigo acreditar que Max é real e que ele está aqui e
que nós estamos a centímetros de distância.
— Então o quê? — ele responde, me lançando um olhar de soslaio. Ele
parece cem por cento à vontade neste momento. Ele está tirando com a minha cara?
— Não me faça implorar — digo. — Já esperei tempo suficiente. — Minha
timidez me surpreende, e é então que percebo que não estou mais nervosa. Este
não é Max Wolfe, capitão do time de futebol, garoto desejado. Este é apenas
Max, como sempre foi. E no fundo, no fundo, sempre soube. Mas preciso ouvi-
lo dizer isso.
Max sorri de modo afetado e protege os olhos com as mãos enquanto olha
para mim:
— Então, tudo bem, eu me lembro.
— Se lembra do quê, exatamente? — pergunto, me fingindo de sonsa.
— Eu me lembro dos sonhos, Alice! — ele diz, exasperado. Mas está
sorrindo, como se não conseguisse evitar. — Feliz?
Estou feliz. Delirantemente feliz. Mas não posso deixá-lo ver isso ainda.
— Pode por favor elaborar, sr. Wolfe? — pergunto, fazendo minha melhor
imitação do Levy.
— Certo — Max tira o suéter e se inclina para trás, amassando-o atrás da
cabeça para poder se estender na doca. Vislumbro só uma partezinha do
abdômen dele e me esqueço do que estamos falando por um momento, antes que
ele continue. — Eu me lembrei de você no segundo em que te vi. Você começou
a surgir nos meus sonhos quando eu era pequeno. Você era diferente naquela
época. Você tinha um corte de cabelo engraçado, de tigela, e Jerry te seguia o
tempo todo. — O canto da boca dele estremece, o que faz com que a minha se
abra em um sorriso.
— Culpe um pai solteiro pelo cabelo — respondo com ternura. — Ele não
conseguia aprender como trançar, então apenas cortou tudo.
— Eu não ligava para o cabelo — Max diz. Seus olhos estão fechados. — Eu
só pensava que você era a mais incrível. Ainda acho.
Deixei as palavras dele imergirem, meu rosto queimando. Então me deito ao
lado dele, apoiando minha cabeça na bolsa.
— Eu achava você o.k. — digo. — Na verdade, eu estava só te usando para
me aproximar do Horatio.
— Que descanse em paz — Max responde. — Ele era a melhor tartaruga
terrestre deste lado da linha Mason-Dixon. Ficamos deitados ali por um tempinho, sentindo o sol em nossos rostos. Se
esse fosse um sonho, eu me viraria de bruços e me distrairia com mechas do seu
cabelo castanho e grosso entre meus dedos. Ou beliscaria os lóbulos da sua
orelha de brincadeira. Quando sonhamos, estamos sempre conectados. Mas isso
não é um sonho. Eu me pergunto se ele sente minha falta como sinto a dele. Do
tempo em que não havia essa distância entre nós.
Com o canto do olho, espio alguns pedaços de lixo flutuarem pelo rio: um
jornal e, então, mais estranhamente, uma meia esportiva, seguida de um sutiã
verde-limão. Mas o que vem a seguir é muito esquisito: um patinho de borracha.
Estou prestes a comentar isso com Max, mas, quando olho de volta, está tão
longe que parece mais uma caixa de suco ou uma lata de refrigerante.
Em vez disso, conto a ele sobre os cartões de aniversário do cds, os pavões e
a roupa de ciclismo do dr. Petermann. Estou tagarelando, eu sei, mas não
consigo parar. Estar com Max, sabendo que ele está simplesmente deitado aqui
me ouvindo e apenas me ouvindo, é revigorante. Eu poderia falar para sempre.
Mas há coisas mais importantes para discutir… como por que tudo isso está
acontecendo.
— Já ouviu falar disso? — pergunto, com esperança. — O Centro para
Descoberta de Sonhos?
Max não diz nada, então olho para ele e o vejo me encarando, perdido, um
pouco boquiaberto.
— Você está falando sério? — ele pergunta.
— Sobre qual parte? — pergunto, genuinamente confusa. — Os pavões?
— Você também foi ao cds. — Ele diz isso como se estivesse se
acostumando com a ideia. Como se não pudesse acreditar.
— Foi o que eu disse… — começo a dizer. — Espera aí, também?
Max volta a olhar para cima, para o céu, e balança a cabeça:
— As coisas ficam cada vez mais estranhas.
— Você também foi ao cds! — quase guincho. Isso é ainda melhor do que
eu esperava. Se Max e eu sonhamos um com o outro, e se nós dois fomos ao
mesmo lugar monitorar nossos sonhos quando crianças, o cds deve ter todas as
respostas para nossas perguntas.
— Fui — Max afirma. — Eu tinha uns pesadelos bem ruins quando era pequeno, e meu pediatra falou para minha mãe sobre o cds. Mas não guardei
nenhum cartão-postal de aniversário. Ao contrário de certas pessoas que
conheço… — Ele abre um olho e sorri.
— Minha avó guardou! — Estendo o braço para dar um empurrão nele, mas
Max pega minha mão antes que ela realmente consiga fazer contato com o seu
ombro e a segura por um instante. Engulo em seco, e meu coração começa a
palpitar com a sensação de minha mão na dele, de alguma forma quente e fria ao
mesmo tempo, antes de ele com cuidado colocá-la de volta na doca.
— Como você sabia que eu ia fazer isso? — pergunto.
— Ora, por favor, me dê um pouco de crédito — Max diz. — Você sempre
me bate quando tiro sarro de você. Ao longo dos anos, um cara aprende a se
proteger. — Eu queria que houvesse uma maneira casual de enfiar minha cabeça
inteira no rio para me fazer parar de corar.
Ouvimos ruídos atrás de nós e vemos que alguns membros da equipe de
remo já começam a chegar para o treino da tarde.
— Isso quer dizer que estou atrasado para o futebol. — Max estremece,
dando um salto. — Tenho que ir.
— Espera — digo. — Você pode me encontrar aqui depois? Eu estava
pensando que você poderia ir comigo ao cds.
— Mas você já não foi? — Max parece confuso enquanto pendura a mochila
no ombro.
— Eu fui e vou voltar — digo, me levantando e afastando folhas secas da
calça. — Hoje à noite.
— Você não tinha dito que Petermann não iria te ver? — Max pergunta, seu
tom era de advertência.
— Eu disse isso mesmo… — hesito, estudando uma folha enquanto a quebro
em vários pedacinhos. — Ele não sabe exatamente que vou estar lá.
Max inclina a cabeça para o lado:
— O que você fez, Alice?
— Por que você acha que fiz algo? — pergunto.
Ele balança a cabeça.
— Você é terrível quando ouve não como resposta. Como exatamente você
planeja entrar?
— Eu talvez possa ter roubado uma chave de identificação? — Ergo as mãos
para o alto como quem diz oops.
Max apenas suspira.
— Vamos lá — imploro. — Não me faça ir sozinha. Tudo isso afeta você
também.
Max se vira e começa a caminhar para longe, rumo ao treino.
— Vou pensar a respeito — ele grita em resposta.
— Certo — grito. — Mas apenas se lembre: se você não for comigo, quem
mais vai me manter longe de problemas?
Max se vira e começa a andar de costas:
— Talvez você devesse considerar não se meter em problemas pra começar.
— Ele sorri. Ele parece um galã em um desses filmes dos anos 1980 que se
passam em escolas de ensino médio.
— Por que eu levaria isso em conta? — grito para ele. Mas Max já foi
embora, virou a esquina depois de uma casa na margem do rio, e sou deixada
sorrindo, acordada e feliz pela primeira vez em semanas.

O garoto dos meus sonhos - Lucy KeatingOnde histórias criam vida. Descubra agora