Estamos procurando por nós

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— Minha vida está basicamente atirada em uma pilha de lixo num canto com
um par de meias sujas em cima — Sophie diz quando atende o telefone.
— Você já experimentou só falar “alô”? — pergunto.
— Raramente — ela responde. — De qualquer maneira, fui mal na prova de
espanhol, e parece que Zeke Davis está namorando Marla Martignetti. Não vejo
nenhuma opção além de me mudar para a Islândia. Ou a Groenlândia. Espera,
qual delas é uma ilha mesmo? E por que você está sussurrando?
— Porque — sibilo, segurando meu celular com o queixo e ombros enquanto
coloco o cadeado na bicicleta. — Vou invadir o cds hoje à noite, possivelmente
sozinha, então, se eu for presa ou assassinada, você vai precisar contar ao meu
pai o que houve.
— Você está desesperada mesmo por amigos, hein?
— Não tem ninguém com quem eu tenha atingido o nível de intimidade para
invadir lugares — digo. Bom, aposto que Oliver estaria disposto a isso, mas
começamos a ficar amigos agora. Não preciso arruinar isso, convencendo-o de
que sou maluca.
— Alice, sou sua melhor amiga há muito tempo, então sei que as chances de
você me ouvir neste momento são basicamente uma porcentagem negativa, mas:
tem certeza de que quer fazer isso?
— Eu tenho que fazer, Soph. Petermann está escondendo algo, e tenho que
descobrir o quê. Especialmente agora que sei que Max se lembra também. —
Posso apenas vislumbrar o edifício do cds de cócoras e à distância, todo apagado
exceto por luzes de alarme vermelhas ao longo de seu perímetro circular. Parece
uma nave alienígena, se os aliens tivessem sido arquitetos da virada do século.
Ou uma estátua gigante do r2d2, o robô de Star Wars. Fecho um pouco mais o
zíper do meu moletom com capuz.
— Ainda não consigo acreditar que ele não vai com você — Sophie diz. —
E também que ele é… você sabe. Real. Ainda estou muito espantada como esse fato, se você não se importar.
— Ele não disse que não viria — respondi na defensiva. — Só não disse que
viria. Quer dizer, ele não é totalmente como o cara dos meus sonhos. Mas, nos
últimos tempos, o cara nos meus sonhos também não é totalmente o cara nos
meus sonhos… — Penso nos olhos que mudam de cor de Max. Seu rosto
separado do meu por um iPad.
— Você me dá uma dor de cabeça — Sophie diz. — Às vezes, quando saio
do telefone com você, percebo que perdi toda a noção da realidade.
— Tente ser eu — digo a ela. Chego às portas duplas da entrada do cds e
puxo o cartão de identificação de Lillian, inserindo-o em uma caixa à direita da
maçaneta. Isso é fácil demais. Eu me sinto como uma espiã tipo Bond Girl.
Exceto que nada acontece.
— Só pode ser brincadeira — digo.
— O que está acontecendo? — Sophie pergunta.
— Roubei um cartão de identificação de uma garota na recepção quando
estive aqui na segunda-feira, mas não está autorizando. Ela já deve ter
desativado. — Continuo passando o cartão de novo e de novo. Nada nada nada.
— Tente virar do outro lado — uma voz sugere, e me viro para ver Max
parado atrás de mim. — Você está passando a parte errada.
— Ligo mais tarde, Soph — digo e desligo.
— Me diz, o que exatamente estamos procurando? — Max pergunta. Nós
subimos a escadaria dupla atrás da mesa na entrada e estamos revirando o centro
de pesquisa, tendo arriscado ligar uma luminária. Estou esvaziando algumas
gavetas na esperança de descobrir um post-it com um login e uma senha do
computador, e Max está procurando numa parede gigante de armários verdes de
arquivamento.
— Nós — digo. — Estamos procurando por nós.
— Mas nós estamos bem aqui — Max diz com um franzir de testa
zombeteiro, e eu rio. Ele é tão literal. Nós estamos bem aqui. E ele apareceu na
noite de hoje. E tudo isso parece meio surreal.
— Você sabe o que quero dizer — digo. — Nossos arquivos. Nomes, datas
em que frequentamos o cds, esse tipo de coisa.
Max abre uma gaveta, e um monte de papéis saem voando para o chão.
— Não é a instituição mais organizada — ele observa criticamente, juntando
os papéis e analisando-os depressa antes de guardá-los de volta.
— O que me dá mais certeza de que Petermann estava mentindo sobre as
atualizações de computador. Por que investir em algo assim quando você não se
incomoda nem em arquivar alguma coisa pra começar? — Olho para Max em
busca de uma resposta e noto que ele está mais embaralhando os papéis do que
os está lendo.
— O que você está fazendo? — pergunto.
— Rearquivando — Max diz, franzindo a testa enquanto tira pastas de
arquivos e as reorganiza no topo do armário. — Essas pastas estão todas
misturadas. Não posso colocar F no lugar certo se sequer E e G não estão onde
deveriam estar.
— Sim, você pode — advirto. — E você tem que deixar, ou Petermann vai
saber que estivemos aqui.
Max olha para mim com um suspiro.
— Tudo bem — ele diz, enfiando os arquivos de volta na gaveta
timidamente e abrindo outra. Papéis saem voando de novo, mas estranhamente
dessa vez eles não caem imediatamente. Na verdade, eles parecem voar para o
alto, até o teto, como pombas recém-libertadas de uma gaiola, antes de
finalmente flutuarem em direção ao chão. Max quase pula.
— Você viu isso? — ele pergunta.
— Ahm, sim… — consigo dizer, a garganta um pouco seca. Max olha com
cautela para as gavetas, então abre mais uma, e acontece de novo. Como se uma
pessoa invisível estivesse atirando os papéis de dentro do armário. Vejo Max
espiar dentro da gaveta e sei que ele deve estar pensando a mesma coisa. Ele
tenta uma terceira gaveta, mas, dessa vez, nada acontece. Nada de redemoinho
de páginas em queda. Apenas uma gaveta mal organizada.
— Não entendo — Max diz.
Sinto um calafrio:
— Eu também não.
— Não, Alice — Max diz de novo, como se eu não o estivesse
compreendendo. — Eu não entendo. Papéis acabaram de voar, para o teto, e eu quero saber por quê.
Dou de ombros:
— Este lugar é maluco.
Mas Max apenas fica parado lá, seu olhar de descrença se transformando em
um sorriso incrédulo.
— O quê? — pergunto.
Ele balança a cabeça.
— Eu não acho que é este lugar, acho que é você — ele diz.
— Eu? Nem pensar — rio, caminhando até os papéis espalhados.
Max pensa por um instante.
— Então talvez sejamos nós. — Nossos olhos se encontram, e sustentamos o
olhar um do outro por um momento. O cabelo dele ficou um pouco bagunçado
por conta da brisa da gaveta do arquivo, todo fofo como um patinho, e não
consigo deixar de pensar que até estilos desajeitados ficam perfeitos nele.
Estendo e passo as mãos na parte da frente do cabelo dele, alisando-a contra a
cabeça, subitamente muito consciente da maneira como Max está respirando, seu
peito inflando, para cima e para baixo. Mas então penso no cabelo de Celeste
caindo por cima de seu rosto enquanto ela o beijava no banco da escola e paro.
— Isso pode demorar um pouco — digo, pigarreando e me ajoelhando no
chão coberto de papel. — Por que você não continua procurando em algumas
outras salas enquanto tento organizar isto daqui?
— Tem certeza? — Max pergunta, ajoelhando-se ao meu lado para ele
mesmo começar a juntar documentos. Nós acidentalmente pegamos a mesma
pilha e, quando ergo os olhos para ele, Max está tão próximo que consigo sentir
seu cheiro. Quero fazer um travesseiro do suéter dele.
— Tenho certeza — digo.
Max responde com um aceno de cabeça, antes de se levantar e se dirigir para
a sala ao lado. Estou criando pilhas por sobrenomes quando o ouço chamar meu
nome em um sussurro da outra sala. Encontro-o em pé no espaço circular sob o
antigo domo do observatório. A abertura para o telescópio foi permanentemente
removida e substituída por vidro, então você pode ver as estrelas acima.
— Uau — digo, enquanto o céu lança seu brilho sobre nós ali embaixo. —
Isso é exatamente que nem o… — O Met — Max termina minha frase. Nós nos entreolhamos. Quase
consigo ouvir a música da sinfonia ao fundo e subitamente estou com desejo de
Oreos. — Você estava bonita naquela noite — Max diz devagar, com uma sutil
ênfase no bonita e, mesmo que suas palavras me lancem em um estado de pura
felicidade, ainda reviro meus olhos. — Você sempre foi chata para ouvir elogios
— ele observa, tentando não sorrir.
— Eu sei. — É a única resposta que consigo conceber, porque ele tem razão.
Max coloca as mãos nos bolsos.
— Fui lá uma vez. Ao Met. Nós pegamos um trem de Boston em família. Eu
desafiei minha irmã a tocar um Rothko, e ela de fato fez isso. — Ele ri. — Não
preciso dizer que foi uma visita curta ao museu.
Irmã? Abro minha boca para perguntar, ela nunca esteve em nenhum de
nossos sonhos, mas a voz do dr. Petermann soa no lugar da minha, e as luzes do
teto se acendem.
— O que é isso? — Petermann pergunta. Ele está parado sob o portal,
usando shorts atléticos brancos chocantemente justos com uma bolsa de
academia atirada sobre um ombro e uma faixa no cabelo.
— Dr. Petermann. — Vacilo. — O que o senhor está fazendo aqui?
— Tenho partidas de squash em dupla às quartas-feiras à noite e vi as luzes
acesas a caminho de casa — ele diz. — E agora estou chamando a segurança. —
Milagrosamente, ele consegue tirar um celular de seus minúsculos shorts.
— Vá em frente — digo. — Mas vai ser um completo desperdício do seu
tempo. Eu vou continuar voltando. — Consigo sentir meus nervos começarem a
se enrijecer de um lado e um rubor subir até minhas bochechas. Ele não pode
tirar isso de mim. Não quando estamos tão perto.
— Não gosto do seu tom, Alice — Petermann diz.
— E eu não ligo. — Estou tentando controlar o volume da minha voz, mas
não está funcionando. Isso sempre acontece quando me sinto encurralada. Todos
os meus bons modos são atirados pela janela. — Não vou desistir. Se tiver que
acampar do lado de fora deste edifício ou queimar toda esta operação até virar
cinzas. — Não falo sério, é claro. Só me empolgo às vezes, as palavras saem
antes que eu tenha uma oportunidade de pensar sobre seus significados.
— Espera aí — Max se mete. — Ninguém vai queimar nada.
— Fale por você — digo a ele.
Max me ignora.
— Dr. Petermann, por favor, perdoe Alice. Ela fica exaltada às vezes. Meu
nome é Max Wolfe. — Ele caminha até Petermann e estende a mão, a qual
Petermann aperta relutantemente. — Não tenho certeza se o senhor se lembrará,
mas fui um paciente no cds cerca de dez anos atrás, ao mesmo tempo que Alice.
Garanto que não estamos tentando complicar as coisas. Estamos apenas
buscando respostas sobre o que houve conosco, e por que sonhamos da maneira
que sonhamos: um com o outro. — Eu não sei como ele faz isso. Tão
autoconfiante e encantador. É impossível dizer não para ele.
Ainda assim, Petermann parece aturdido.
— Vocês realmente sonham um com o outro? — A pessoa mais delicada da
Terra não poderia amenizar a notícia de que dois de seus antigos pacientes se
conhecem de seus subconscientes. Ele põe de volta o telefone no bolso devagar,
olha de um para o outro, e sua mente parece ir para outro lugar. — Foi há muito
tempo — ele diz, perdido em pensamentos. — Mas eu posso ter uma ideia.
Venham… sentem-se.
Enquanto seguimos Petermann a seu escritório, sussurro no ouvido de Max:
— É claro que ele ouve você.

O garoto dos meus sonhos - Lucy KeatingOnde histórias criam vida. Descubra agora