Somos todos surrealistas

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Não é que eu não saiba o que é um sonho ruim. E eu sei com certeza que já os tive antes, porque sonhos ruins são o motivo por que fui ao cds para começo de conversa. É só que nunca tinha conseguido me lembrar de nenhum. É como se tudo que o cds tivesse feito, os mundos mágicos que criaram, não apenas tivesse me dado algo novo e melhor, mas também tivesse apagado o ruim também. Até agora.

Durante o dia inteiro depois do sonho no mercado de pulgas eu me senti mal, como se estivesse começando a ficar doente. Como se alguém tivesse colocado alguma coisa esquisita no meu café ou, pior, como se alguém tivesse sempre colocado alguma coisa no meu café, alguma coisa para me fazer feliz, e hoje tivessem decidido parar. E nada está melhorando isso. Nem os três cafés que bebi desde que acordei, nem o passeio de bicicleta em uma fresca manhã de outono com um céu azul penetrante.

Nem o A que tirei no meu trabalho de inglês ou o fato de que no Clube do Terrário consegui de verdade fazer um arranjo sem as instruções de ninguém. Não é como se estivesse deprimida ou algo assim, eu só não me sinto certa. O que me deixa com muito mais vontade de chegar ao cds hoje e começar a consertar.

— Andar de cima. — Lillian apenas aponta para o teto quando passo pela porta do cds. Ao chegar ao Frank depois do Clube do Terrário, agarrada ao meu novíssimo vaso, percebi que não tinha onde guardá-lo em segurança, e tive que colocá-lo com cuidado na cestinha de Frank enquanto caminhava ao lado dele pouco mais de três quilômetros da Bennett até o mit.

— Obrigada — digo. — Ah, isso é para você. — Coloco o minúsculo ecossistema na escrivaninha dela e não me viro para olhar enquanto acelero pelas escadas, onde Petermann aguarda paciente em seu escritório, e a perna de Max se agita de leve.

— Desculpem o atraso! Tive uma situação de perigo com um terrário, não perguntem — anuncio, olhando para o dr. Petermann. Estou com medo de olhar para Max depois de nosso encontro no elevador. Não estou mais irritada, mas ainda estou brava. E mesmo que a noite passada tenha sido apenas um sonho, não consigo deixar de me sentir magoada pela maneira como ele fugiu de mim.

— Não tem problema, Alice — o dr. Petermann diz, e estou surpresa de ver que está usando os mesmos óculos em forma de coração que o reitor Hammer usava no meu sonho.

— Alice — Petermann diz.
Pisco.

— Está tudo bem? Pisco de novo, e seus óculos parecem completamente normais.

— Acho que sim… — Então olho para Max e o noto sorrindo enquanto manuseia um peso de papel de caveira prateada.

— O quê? — pergunto.

Nada — ele diz, acertando a postura, como se tivesse sido pego no flagra, seu rosto ficando sério de novo.

— Não, conta pra gente! — digo, cruzando meus braços sobre o peito. — Estou morrendo de curiosidade para saber o que é tão engraçado.

Max suspira.

— É só que você é exatamente a mesma. — Ele dá de ombros. — Geralmente esquecida, muitas vezes atrasada, entrando às pressas numa sala com o cabelo todo desgrenhado. — Ele balança as mãos em torno da cabeça com um sorriso besta, mas então para, limpa a garganta e fica sério quando nota a expressão no meu rosto.

Estou lançando adagas nele com os olhos, mas não consigo deixar de notar que ele parece estar encarando meu cabelo como se quisesse esticar a mão e tocá-lo.

— Obrigada por essa observação — digo, tentando manter a voz firme.

Max me lança um olhar.

— Foi você quem pediu — ele diz. — Eu não quis chatear você. — Nós sustentamos o olhar um do outro por um minuto.

Petermann tem uma expressão de quem não podia se importar menos.

O garoto dos meus sonhos - Lucy KeatingOnde histórias criam vida. Descubra agora