Para pessoas normais

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Grupos esportivos são uma excelente maneira de conhecer pessoas — Petermann explica quando pergunto dos troféus. Há uma estante de livros que vai do chão ao teto ocupando uma parede inteira de seu escritório, preenchida igualmente com livros e prêmios, como pequenas estatuetas douradas de pessoas prestes a acertar uma bola de tênis ou mergulhar em uma piscina inexistente.

— Como podem imaginar, é necessário muito patrocínio para manter uma operação como essa em funcionamento. Contatos são bons para os negócios. — Ele dá seu sorriso característico, e eu quase espero que um dos seus dentes brilhe como uma propaganda de pasta de dentes. Ding! Atrás da mesa de Petermann está pendurada uma fotografia gigante de uma tomografia cerebral ampliada. Ele se senta diretamente na frente dela e coloca seus tênis brancos sobre a mesa. Ele abre a boca para falar, mas as palavras saem em italiano.

— Idiota!

— Você acabou de me chamar de idiota? — pergunto.
Petermann balança a cabeça.

— Sergio. — Ele aponta para uma grande jaula de pássaros na parte de trás da sala perto da porta, onde dois imensos pássaros azuis estão lado a lado, nos encarando com atenção.

— E o que está na esquerda é Brunilda. Não são lindos? — Petermann pergunta. — Eles só falam italiano, por causa da última pessoa com quem viveram, um ortodontista no bairro North End. Estou tentando aprender, mas vocês sabem como é, correria, correria. — Ele suspira de modo dramático. No entanto, nós realmente não sabemos como é. Nunca vi nenhum outro paciente no prédio.

— Quest’uomo non è uno scienziato. Lui è un pagliaccio! — um dos pássaros grita, e o pouco de italiano que aprendi durante um verão que meu pai e eu passamos em Roma para uma conferência de neurociência me diz que ele acabou de chamar Petermann de palhaço.

— Excepcional —Petermann diz, olhando para eles com afeto. Depois volta sua atenção para nós. — Então me contem sobre os sonhos. Com que frequência? Existem padrões? São recorrentes, como no mesmo lugar, com mesmos temas? Ou são individualmente únicos?

— A única coisa recorrente em meus sonhos é a Alice — Max explica, e eu coro. Eu já deveria estar acostumada a ouvi-lo dizer meu nome em voz alta, mas não estou. — Desde que eu era novo, ela sempre esteve lá. Quando eu era pequeno, ela era pequena, e quando cresci, ela também. Mas nós nunca tínhamos nos conhecido. Nunca contei a ninguém a respeito… Percebi que outras crianças tinham amigos imaginários, então Alice deveria ser a minha. Até meu décimo sexto aniversário, nós tínhamos escalado um vulcão, vencido a Copa do Mundo, construído uma casa de pão de mel em tamanho real... você se lembra dessa? — Max se vira para mim, abafando o riso.

— Jerry ficava comendo todas as maçanetas.

— Quem é Jerry? — Petermann faz uma careta. — Não me lembro de algum dia ter tido um paciente com esse nome.
Abro a boca para responder, mas Max replica antes:

— Jerry é o buldogue da Alice — ele diz empolgado, como se falasse de um velho amigo. — Ele é o melhor. Tudo bem, ele tem um pequeno problema de comportamento, mas ele se acalma se você coçar bem embaixo do seu queixo. Ele ama buscar a bolinha.

— Talvez nos seus sonhos — resmungo, pensando que não consigo me lembrar da última vez que Jerry tinha de fato buscado uma bola de tênis e a deixado aos meus pés. — Ele está em mais ou menos metade dos nossos sonhos. Você não concorda? — Max olha para mim de novo.
Demoro um minuto para responder porque estou muito ocupada contemplando-o, me deliciando em quanto ele parece estar gostando da situação. Ouvindo como ele descreve o tempo que passamos juntos com o mesmo prazer que sinto. Que, apesar de nosso começo turbulento na vida real, isso claramente significou tanto para ele quanto para mim.

— É verdade — aceno. — Acho que sonho quase todas as noites, e algo como três noites por semana são com Max. E, sim, com frequência eles são muito exóticos: montar elefantes cor-de-rosa pela selva, explorar cidades subaquáticas. Mas eles também podem ser completamente normais, como visitar um museu ou tomar um sorvete realmente delicioso. Um dos meus favoritos acontece em uma rua de paralelepípedos chuvosa. Só caminhando embaixo de um guarda-chuva enorme.

O garoto dos meus sonhos - Lucy KeatingOnde histórias criam vida. Descubra agora