Prólogo

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Ao terminar de desempacotar a última caixa de papelão, foi acometido por um sentimento enfadonho

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Ao terminar de desempacotar a última caixa de papelão, foi acometido por um sentimento enfadonho. Aquele quarto, de aparência mórbida e monótona, era seu. Por mais que a ideia não o agradasse, deveria aprender a se acostumar com o lugar. Boa parte das paredes estavam descascadas, revelando a cor rosa-pêssego da pintura passada. A tinta branco-gelo estava amarelada e manchada por bolores aveludados, evidenciando os anos que as paredes não eram limpas ou tinham a pintura renovada.

O ar pesado e o cheiro forte de mofo incomodava seus pulmões, desencadeando crises de tosse seca desde que trouxe os pertences para o primeiro andar, reverberando a alta umidade e a falta de luz solar ao decorrer do ano. Disposto a expulsar a energia anárquica do ambiente, caminhou em direção a janela, ouvindo o piso de madeira nogueira ranger sob seus pés, o barulho rançoso aumentando a cada passo que se aproximava das cortinas de macramê.

Quando jogou as cortinas para o lado, micropartículas de poeira cintilaram por um raio de luz diagonal que invadiu o quarto pela janela, aquela sendo sua primeira experiência com o sol desde que colocou os pés na cidade. A vista era predominantemente embaçada pelos vidros sujos e gordurosos, que davam para os fundos da propriedade, composta por uma floresta de vegetação densa e árvores altas, longe de qualquer casa ou comércio local.

Westwood, uma pequena cidade no condado de Norfolk, em Massachusetts, era um daqueles povoados repletos de casarões antigos e famílias arcaicas, onde um dos piores aspectos era a falta de iluminação. A cidade possuía um sistema de manutenção precário. As ruas esburacadas, os fios elétricos caídos pelos postes e o amontoado de folhas no meio-fio evidenciavam o descaso da prefeitura. A cidade, sempre beijada por nuvens de chuva que nunca caiam, detinha um clima nebuloso e abafado pelas manhãs, e intensas temperaturas baixas ao pôr do sol.

A cidade é tão silenciosa quanto qualquer outra cidade pequena, ladeada por florestas e declinada pelo tempo. O único barulho sonoro era constituído pelo ciliar das árvores, o sibilo dos insetos e o zumbido constante de máquinas industriais. Westwood era uma cidade marcada pelo garimpo de carvão em minas subterrâneas, onde as tradições familiares giravam em torno dessa atividade secular. A vida ali fluía em ritmo lento, como se o tempo mesmo se dobrasse aos caprichos da cidade.

Reconhecendo o esgotamento físico e mental, usou as últimas reservas de energia para pendurar alguns quadros em pregos surrados, colando pôsteres na parede mais descascada, almejando esconder as imperfeições condenáveis e o mofo abominoso. Demorou para juntar as numerosas caixas de papelão que tumultuavam a passagem, amontoando-as em pilhas de duas fileiras, incerto sobre jogá-las fora. Se estivesse certo, aquele casamento entre o pai e a exuberante Kate não demoraria para acabar. Com sorte, usariam aquelas mesmas caixas para empacotar seus pertences e retornarem para Los Angeles.

Movido pela péssima coordenação motora, deixou o quarto e desceu os degraus da escada, aliviado pelo ar descer de maneira mais agradável, mais fluido. Ao parar de frente ao janelão da cozinha, identificou o esboço do pai e da madrasta no quintal, sorridentes e trocando carinhos mútuos. Entortou o nariz quando ele a beijou, ainda desconfortável pela situação.

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