AVENTURAS DUM CONFERENCISTA

23 6 0
                                    

◤◥◤◥◤◥◤◥◤◥◤◥◤◥◤◥
KNUT HAMSUN
◣◢◣◢◣◢◣◢◣◢◣◢◣◢◣◢


Decidira fazer uma conferência sobre literatura moderna na cidade de D... Esperava alcançar assim um ganhozito dos mais apreciáveis, sem que tal me exigisse demasiado esforço.

Num belo dia do fim do Verão achava-me, pois, instalado num comboio que rodava para a dita cidade. Passava-se isto no ano de 1886.

Não conhecia viva alma em D... . Tendo-me descuidado de anunciar a conferência pela via normal dos jornais, por esse facto tão-pouco me conhecia ali qualquer pessoa; mas, no começo do Verão, num momento de desafogo econômico mandara imprimir quinhentos cartões de visita, os quais me propus distribuir por hotéis, restaurantes e armazéns de certa importância, a fim de atrair a atenção do público para o acontecimento. Esses cartões não estavam precisamente ao meu gosto; até o meu nome aparecia ali errado. Todavia, com um pouco de boa vontade, chegava-se a decifrar o significado da coisa; sendo, de resto, absolutamente desconhecido o meu nome, que importância teria um erro de ortografia?

Sentado no comboio, fazia cálculos, e o resultado da operação não me desencorajou. Havia muito tempo que me habituara a sair de apuros com dinheiro ou sem ele; e no período em questão, devo confessá-lo, a minha fortuna era assaz magra para que pudesse apresentar-me nessa cidade estrangeira de uma maneira digna da minha alta missão estética. Mas, com muita economia, levaria sem dúvida a cabo a empresa. Nada de prodigalidades! Em primeiro lugar, para as refeições, encafuar-me-ia, ao lusco-fusco, numa dessas baiúcas que há em toda a parte, e, quanto à dormir, encontraria decerto qualquer quarto de aluguel. Outras despesas, para quê?

Enquanto o comboio corria, estudava eu a conferência: queria falar do poeta Alexandre Kielland.

Os meus companheiros de viagem, campônios de volta de uma ida à capital, passavam alegremente de mão em mão uma garrafa. Ofereceram-me também da pinga, que recusei agradecendo. Momentos depois, como é próprio de pessoas avinhadas e bonachonas, renovaram as suas tentativas de aproximação, às quais não dei melhor acolhimento. Por fim, devido à minha atitude e por me verem garatujar tantas notas, foram levados a compreender que eu era um doutor, com a cabeça entulhada de ciência, e deixaram-me em paz.

Ao chegar à cidade de D... desci do comboio e levei a minha mala de mão para cima de um banco da gare, na intenção de me concentrar um pouco antes de penetrar no burgozinho. Verdade, verdade, eu não tinha necessidade nenhuma desta mala; trouxera-a unicamente porque era mais fácil, ouvira já dizer, entrar numa hospedaria e sair dela quando se exibem "bagagens". Ora esta pobre mala forrada de pano havia adquirido, à força de anos e de uso, um aspecto de tão grande vetustez que não condizia nada bem com um literato em viagem, ao passo que a minha indumentária, um traje azul completo, era muito mais decente.

Um moço de hotel, boné ornado de letras, avançou para mim e ofereceu-se para conduzir a malinha. Declinei os seus serviços, explicando-lhe que nada decidira ainda quanto ao meu hotel... Precisava primeiro de encontrar-me com alguns diretores de jornais; porque era eu o cavalheiro que ia fazer uma conferência sobre a literatura moderna...

— Mas, disse-me ele, seja como for, o senhor precisa de um hotel; tem de alojar-se em qualquer parte. (O seu hotel era, sem comparação possível, o melhor da terra; campainhas elétricas, banhos, sala de leitura, nada faltava lá). — É a dois passos, meu caro senhor; sobe-se esta rua, volta-se depois à esquerda... — e toca a agarrar na alça da mala.

Detive-o.

— O senhor mesmo é que vai transportar a sua bagagem para ohotel?

— Sim, de fato é a minha intenção — respondi-lhe. — Por acaso,vou para o mesmo lado do que a minha bagagem e, veja você, basta-me suspendê-la do meu dedo meiminho para que ela me siga!

Seleção de contos góticos de terrorOnde histórias criam vida. Descubra agora