METEMPSICOSE

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WALTER POLISENO
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Os últimos golpes de picareta ressoaram no silencio do vale. Havia, em todos nós, uma estranha trepidação, porque chegara, finalmente, o momento esperado, havia meses: a porta de mármore do túmulo do Faraó estava aberta.

Voltei-me, durante um momento, a contemplar o vale dourado pelo sol que descia para o ocaso. Ao longe, divisava-se o magnífico templo branco de Der-Al-Barhi, com suas colunatas, que pareciam imitar o estilo dórico. O templo, cortado na rocha calcária do vale de Tebas; e, coroado por uma gigantesca cadeia de rochedos, assemelhava-se a um anfiteatro, aberto sobre o deserto. O vento soprava através do desfiladeiro do vale, num murmúrio misterioso. O deserto imenso, de um lado, e a maciça barreira de rochedos, do outro, faziam com que nos sentíssemos mesquinhos e perdidos, intimidados pela sua grandeza. Não passávamos de minúsculos pontos no deserto e o próprio templo milenar, visto a distância e no conjunto do quadro, parecia pequeníssimo.

O baque de uma pedra, que se despenhou, acordo num devaneio. A vista e o pensamento voltaram-se para o túmulo de Néfer, cuja abertura negra, na areia dourada, parecia prestes a engolir-nos.

— Quer entrar primeiro? — perguntou-me o professor

— Não seria melhor deixar tudo para amanhã? Agora já é tarde.

Clarence mordeu os lábios, com um estranho sorriso.

— Se assim quer, assim seja. Mas, tenho pressa de regressar ao Cairo. Há um mês que estamos neste vale sombrio e silencioso... Podíamos dar-lhe, ao menos, uma olhada.

— Como queira — disse eu, precedendo-o, aborrecido, por ter lido uma nota de ironia no seu olhar.

Clarence pensava, provavelmente, que eu tivesse medo e que, como já acontecera a tantos outros, as superstições e as velhas histórias que circundam, com um ar de mistério e terror, as pesquisas arqueológicas no vale do Nilo, me houvessem impressionado também. Descemos por uma estreita passagem, até uma câmara de paredes inclinadas, que se encontravam no alto, para formar o teto. Daí, abriam-se dois corredores, que conduziam, evidentemente, a duas salas, em que estavam dois sarcófagos.

— Vou explorar esta passagem — disse Clarence, enveredando por aquela que ficava à nossa direita, fazendo sinais aos outros que o seguissem.

— Seria incomodo para o Senhor, explorar esse outro corredor? — perguntou-me, a seguir.

Não lhe dei resposta, e entrei pelo corredor à esquerda, com paredes de pedra coberta de hieróglifos. Cheguei a uma saleta, e a luz da minha lâmpada destacou um baixo relevo de pedra calcária, que continha algumas passagens do Livro dos Mortos. Ao. longo das paredes, havia místilas e sobre elas estavam dispostos os objetos mais variados: figurinhas de madeira esculpidas, pintadas com cores vivas, porta-perfumes de alabastro, jarras azuis, em forma de flores de lótus, vasos de Cánapo, recipientes de alabastro para cosméticos.

Num ângulo, havia um cofre baixo, com entalhes de majólica azul, marfim e ébano. Nele estavam gargantilhas, amuletos, braceletes e anéis, leques de ouro e ébano, espelhos, mancais de bronze e cobre.

Compreendi que havia penetrado no túmulo de uma jovem egípcia, talvez filha de Néfer. Aproximei-me do sarcófago coroado por Bah, a ave-alma, em forma de falcão, com semblante humano, e por uma estátua, de pedra preta, de Anúbis, o deus do mundo subterrâneo. Sobre a tampa, estava esculpido e pintado em cores muito vivas, com raro poder de expressão, o retrato de uma moça. Na imobilidade misteriosa da pedra, ela parecia fitar-me, de modo estranho. Seus olhos, negros e profundos, e os lábios, numa atitude de impenetrável sorriso, davam-lhe uma aparência de vitalidade que me impressionou

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