OS RUÍDOS DO BOSQUE

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VLADIMIR KOROLENKO
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— • I • —

O bosque estava agitado.

Havia sempre ruído naquele bosque, um ruído regular, surdo, como o eco de campainhas longínquas; tranquilo e vago, como uma doce romanza sem palavras, como uma recordação do passado. Havia sempre ruído naquele bosque, porque era velho, muito velho, e nunca fora tocado pela acha dos lenhadores. Os altos pinheiros seculares, com os seus troncos vermelhos, poderosos, erguem-se como um exército sombrio, estreitando as suas copas verdes em abóbadas espessas.

Por baixo, havia calma e cheirava a alcatrão. Através do tapete de verdes agulhas que cobriam a terra, cresciam cogumelos gordos e fantásticos e altas ervas verdes. As flores humildes inclinavam, cansadas, as pesadas corolas. E no alto, incessantemente, sem interrupção, ouvia-se o ruído do bosque, lançando dolorosos suspiros.

Agora, estes suspiros soam cada vez mais fortes e profundos. Eu, montado no meu cavalo, caminhava por um estreito carreiro florestal. Embora não pudesse ver o céu, adivinhava pela obscuridade do bosque que lá no cimo se iam amontoando grossas nuvens. A hora era bastante avançada. Alguns raios de sol perfuravam a espessa folhagem, mas, sobre as árvores descia já o escuro. Avizinhava-se a tempestade.

Era inútil pensar em caçar; resumia as minhas aspirações à possibilidade de chegar, antes do furacão, a um abrigo qualquer onde pudesse passar a noite.

O meu cavalo batia com os cascos nas raízes desnudadas de algumas árvores, e alargando as orelhas escutava com ansiedade o ruído do bosque. Também ele se mostrava impaciente, apressava o passo.

Ouviu-se o ladrar dum cão. Através das árvores, já mais distanciadas, viam-se as paredes brancas duma choça de cujo telhado saía um fumo azul. A choça, inclinada, com um tecto de palha enegrecida, acoitava-se como por detrás dum muro, entre os troncos vermelhos.

Parecia querer esconder-se debaixo da terra, e os esbeltos e soberbos pinheiros debruçavam sobre ela as copas majestosas. No meio da clareira, muito apertados, havia um grupo de sobreiros novos.

A casa era habitada por dois guardas do bosque, Zajar e Maximo, companheiros habituais das minhas excursões de caça. Mas não deviam estar ali, visto que ninguém saíra ao meu encontro, apesar dos latidos do enorme cão. O avô, ancião de cabeça calva e bigodes brancos, permanecia sentado no limiar da choça.

As barbas chegavam-lhe quase à cintura; os olhos eram escuros. Dir-se-ia que tentava recordar alguma coisa em vão.

— Bons dias avô. Está alguém em casa?

— Eh! — e o velho abanou negativamente a cabeça. — Não está nem Zajar, nem Maximo. Motria foi também ao bosque buscar a vaca... A vaca perdeu-se com certeza. Talvez a tenham devorado os ursos... Não, não está ninguém...

— Não importa. Espero, e faço-te companhia.

— Bem, se queres...

E enquanto amarro o meu cavalo a um carvalho, o velho olha-me com o seu olhar escuro e apagado. É muito débil, muito débil; não vê quase nada e as suas mãos tremem sempre.

— Quem és tu, moço? — perguntou-me quando me sentei a seulado.

Cada vez que venho, faz a mesma pergunta.

— Ah! agora sim; sim, já me lembro — disse contente, enquantocompunha uma velha bota estragada. — A minha pobre cabeça não conserva muito a memória das coisas... É como um passador... Dos que morreram há muito tempo, lembro-me eu bem, mas a gente nova esqueço-a sempre.
Porque, bem vês já vivo há tanto tempo neste mundo...

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