Passado Parte I

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Os olhos de Seokjin estavam fechados. Estava concentrado o suficiente para ouvir a própria respiração, até mesmo a do psicólogo a sua frente. Sabia o que estava fazendo e como deveria fazer, mas ainda havia inúmeras camadas de medo para enfrentar. Desde a última descoberta sobre si mesmo estava a ponto de não mais ter certeza de quem era. Passara tanto tempo desejando conhecer mais sobre sua vida, mas agora temia o que poderia encontrar.

Sangue. O que sangue representava para si? Por que o assustava tanto? Tinha medo da substância em si ou dos motivos os quais ela seria exposta? Estava com medo de descobrir.

A voz de Taehyung alcançou seus ouvidos como se ecoasse por um longo galpão em sua mente, e como resposta automática, agora se encontrava novamente naquele lugar familiar. Podia dizer que era a mesma casa que viu arder em um incêndio anteriormente, porém estava inteira dessa vez. Podia ouvir o que pareciam ser gritos, mas abafados como se mãos tapassem seus ouvidos com força ­– o que não o impediu de sentir arrepios –.

Por ordem do psicólogo, caminhou ao redor. Como vultos embaçados, uma cena ocorria em sua frente. Os sons abafados se tornavam mais altos, como grandes impactos seguidos, e parecia sentir algum tipo de dor em seu corpo a cada nova vez que esse som o alcançava. Isso o fez tremer em puro terror. Por algum motivo, aquilo o assustava.

"Você consegue, Seokjin. Você é forte. Isso não é real", a voz era serena, nunca falhando em acalmá-lo.

Fechou os olhos por alguns segundos. Se aquele momento já era uma parte de si, enfrentar novamente também era. Os abriu, e a cena estava menos embaçada. Podia ver um corpo encolhido no chão. As pequenas mãos cobriam os ouvidos, como se Seokjin estivesse sentindo em seu próprio o efeito daquela ação.

Tentou relatar a cena com detalhes. Parecia estar falando sozinho naquele momento, mas sabia que Taehyung era capaz de ouvi-lo. Olhou para o lado, e uma figura maior e mais assustadora era responsável pelos sons de impacto que ouvia. Chutes, socos, gritos. Quanto mais olhava, mais assustadora a figura escura parecia para si.

"Eu acho- acho que ele está com raiva", descreveu.

Deu um pequeno passo para trás, com esperanças de sair dali sem ser notado. Como em um filme, aquele passo fez um som mais notável do que desejava. A figura escura o notou e como uma fera avançou para cima de Seokjin, que assustado, mal conseguiu se mover enquanto as lágrimas caiam sobre seu rosto.

Os sons que antes eram abafados agora eram claros como nunca: xingamentos, gritos de ódio; a cada som de impacto, uma nova dor aguda surgia em uma parte diferente de seu corpo. Olhava para si mesmo e se via encharcado com sangue, com seu próprio sangue. Chorava em desespero, em dor, queria sair dali, cada detalhe daquele momento o desesperava.

– ME TIRE DAQUI! ­­– Gritou.

Quando voltou a si, se viu nos braços de Taehyung, jogado no chão. Suas mãos trêmulas agarravam o jaleco do psicólogo, sentia o suor se misturando as lágrimas em seu rosto, mas ainda estava aliviado de ter despertado. Permaneceu daquela maneira por mais tempo que pôde lembrar. Ainda tinha a sensação de estar coberto de sangue, e aquilo o apavorava. As memórias se mantinham sobre si como se houvessem ocorrido horas atrás.

Você conseguiu, Seokjin. Você foi forte.

Namjoon se deitava ao seu lado, adormecido. Estava tarde, deveria estar dormindo também, mas os últimos sonhos que andava tendo eram reproduções claras das memórias que havia recuperado, e aquilo não era agradável. Mas como havia prometido para seu psicólogo, o moreno não poderia saber de nada daquilo. Então permaneceu ali, observando-o.

Desde que podia se lembrar, Namjoon lhe era um porto seguro. Nada era ruim o suficiente que o moreno não faria melhorar com um só abraço. Ao menos até agora. Essa visão de Namjoon parecia descascar como tinta velha a cada nova sessão, e com isso se sentia confiando sua vida a um estranho. Não sabia muito sobre ele; fato esse que não parecia problema, como se nascesse para confiar naquela pessoa. Agora, o incomodava como uma coceira.

Quem é você? Por que é tão relevante?

– Se eu perguntasse para Namjoon de onde eu o conheço... Isso seria um problema? – Seokjin quebrou o silêncio enquanto olhava para as costas de um Taehyung distraído com anotações.

Taehyung saltou em seu lugar em pequeno susto. Mesmo com todas as mudanças radicais vindas com as últimas sessões, ouvir palavras tão claras e perfeitamente pronunciadas vindas de Seokjin ainda era estranho aos ouvidos do psicólogo.

– Creio que sim. Você nunca tinha agido dessa forma antes, e Namjoon parece atento a pequenos detalhes sobre seu comportamento ultimamente. – Respondeu, como quem explica o óbvio, mesmo sem notar.

– É que a cada encontro nosso, ele parece mais estranho para mim. Me sinto desconfortável e desconfiado a cada segundo ao lado dele. É difícil de disfarçar. – Encolheu os ombros, tendo um claro descontentamento em sua voz.

Taehyung caminhou em sua direção, se abaixando em sua frente.

– Você não precisa se preocupar com isso, ok? É óbvio que Namjoon não o faria mal algum-

– Como tem tanta certeza? Você o conhece tão "bem" como eu. – Seokjin o interrompeu, mostrando um comportamento que ambos não esperavam do paciente. Pareceu confuso e arrependido da forma como as palavras saíram, mas era tarde e inútil demais tentar explicar aquela altura.

Taehyung não soube como reagir por um momento, mas não se sentiu ofendido ou mesmo bravo com Seokjin. Uma mudança em seu comportamento era esperada após estar lidando com peças tão delicadas de sua mente, e essa seria a última das suas preocupações.

– Prometo a você que saberá todas as respostas que desejar ao fim de tudo isso, e nunca mais o verá na sua frente se assim quiser. Ok? – O psicólogo respondeu calmamente, segurando ambas as mãos do outro, que respirou fundo e acenou em resposta.

O que antes sentia para com Namjoon, sem saber o porquê, agora parecia sentir com Taehyung. Porém com a certeza dos motivos da confiança que oferecia a ele ser merecida.

Ao último som da voz de Taehyung, se encontrou em um lugar escuro. Pela primeira vez, parecia retornar a uma memória afastada daquela casa. O que via ao seu redor era uma rua deserta, silenciosa e familiar. Estava frio. Seus braços doíam e sua cabeça rodava, como a sensação de levantar-se rápido após um longo tempo deitado. Foi difícil se pôr de pés, estava encolhido ao lado de uma grande montanha de lixo.

Estava temeroso. Sempre que revivia uma lembrança, encontrava alguém de imediato. Porém, dessa vez estava completamente só, ao que parecia. Caminhou mais a fundo. Cada novo passo trazia a si uma dor incômoda em seus braços que não sabia dizer o que era ou como era causada.

Caminhou em direção ao pequeno círculo iluminado pela luz fraca e piscante de um poste. Seu coração batia forte e o mesmo nervosismo de sempre o tomava quanto mais perto estava do local. Tinha certeza de que o que quer que encontrasse ali não seria agradável. Nunca era.

Ao faltar pouco para finalmente visualizar o que estava ali, simplesmente perdeu suas forças e caiu no chão. A tontura tornava-se insuportável e sua visão, turva. A dor em seus braços o fazia se contorcer no chão frio, sem nem conseguir compreender o que estava acontecendo.

– É bom, não é? – Uma voz familiar ecoou. Com a pouca informação que a visão embaçada o permitia, percebeu que havia alguém largado no chão a sua frente. Era o que o foco de luz escondia. – Vale a pena o sofrimento.

Seokjin, em seu terror, seguiu o olhar daquele ser que não conseguia descrever a aparência até seus próprios braços. Cada centímetro estava coberto por uma seringa diferente, perfurando sua pele até pequenos círculos arroxeados se formarem ao redor das agulhas. A dor tornava-se ainda mais real, e uma risada que o trazia arrepios era como um grito.

Mais uma vez despertou em choque, nos braços de Taehyung. Não tinha mais certeza se conhecer a si mesmo era o que queria. Era onde tudo o que mais temia passava de um medo para uma realidade.

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