Achei minha sala e fiz o longo teste. Não estava muito difícil, o único problema era que tudo ao meu redor balançava como se eu ainda estivesse no avião. Em todo caso, saí de lá com a sensação de que tinha ido bem. O professor nos informou a hora e o local da prova oral, que seria no dia seguinte. Por hoje, então, era só. Deixei a sala de aula e fui para o pátio da frente.
Vários estudantes também estavam por ali. Gente de todo o tipo: loiro gordo, morena magra, amarela de cabelo comprido, roupa curta e cabeça raspada, vestido sério e sapato esquisito, chinelão largado e brinco na orelha, brinco no nariz e olhos verdes, olhos azuis e olhos puxados, patins coloridos, mochila nas costas, calça rasgada, blusa listrada... Puxa, aquilo era o máximo! Era esse um dos maiores motivos pelo qual eu tinha vindo pros Estados Unidos. Era um dos lugares onde eu poderia encontrar gente do mundo todo. Uma mistura de raça, religião, cultura, gente! E como eu gosto de gente! Eu poderia ficar horas sentada num lugar, só olhando as pessoas passarem, andarem, falarem, gesticularem, pensarem... Aquilo ia ser um prato cheio!
Dei mais uma olhada ao meu redor: "Amanhã, quem sabe, eu conheço alguém", pensei.
"Agora eu preciso é comer". Fui seguindo o caminho que o motorista havia me ensinado até a lanchonete, daquelas que se encontram em qualquer esquina do mundo. Ótimo, assim não preciso pensar no que vou comer, vai o de sempre. Pede-se rápido, paga-se rápido, come-se rápido. Aqui tudo é rápido. Passei também num mercadinho e comprei alguma coisa de comer para levar para o quarto. E voltei pra casa apreciando a vista. Era tudo muito bonito por ali, muito limpo, muito bem-cuidado. Eêê, universidade de Primeiro Mundo!
Cheguei no dormitório tranquilo, vazio. Guardei minhas compras na geladeirinha. É, tinha até geladeirinha e micro-ondas dentro do quarto. Por falar em quarto, eu nem o tinha olhado direito. Era um quarto simples, porém prático. Dois armários embutidos, um de cada lado da porta. Depois duas camas, cada qual encostada a uma parede. Embaixo da janela, que ficava em frente à porta, duas escrivaninhas e duas cadeiras. Também havia dois jogos de prateleiras e dois murais de cortiça com algumas tachinhas. O quarto era assim, tudo de dois. Isso porque os americanos têm o costume de dividir os seus quartos com outro estudante. E o mais curioso é que isso é feito às escuras, ou seja, você só conhece o seu companheiro de quarto depois que vão morar juntos. É claro que você preenche um tal formulário, na tentativa de acharem o "par perfeito". Mas a verdade é que a única garantia que eles lhe dão é que o seu room mate vai ser do mesmo sexo. Para os americanos, já acostumados com o tal esquema, isso deve ser moleza, até interessante se você cai com uma pessoa legal. Agora, pra mim, sem prática desse tipo de coisa, era melhor ter um apartamento só meu mesmo.Além do mais, tinha aquela história toda da AIDS. Não que se pegue só por dividir o mesmo quarto, é claro que não. E acho que quase todo mundo já sabe disso. Só que, mesmo assim, ainda existe gente que se recusaria a fazê-lo. Por quê? Não sei. Até, se você for uma dessas pessoas, quem sabe um dia possa me explicar. Abri minha mala e comecei a guardar as roupas no armário. Arrumei meus quinhentos vidros de gotinhas homeopáticas na prateleira (ultimamente eu vinha me tratando com homeopatia), arrumei a cama e pronto. Mas... estava meio esquisito, meio vazio. Nada pra pregar no quadro de cortiça, nada pra colocar sobre a escrivaninha. Eu tinha trazido pouca coisa mesmo.
Abri a persiana para olhar lá fora. Meu quarto era de frente e a vista era bonita. Logo abaixo, rodeando o prédio, um gramado, depois uma cerca, a calçada, a rua bem calma onde dificilmente passava carro, a outra calçada do lado de lá, a outra cerca e um abismo.
Um abismo enorme. E depois, lá longe, outra montanha repleta de casinhas. É que devia ser mais ou menos assim: a universidade ficava em cima de uma montanha e entre essa montanha e a outra lá na frente havia um vale, o tal abismo. Era uma vista bonita. Pra direita, mais pro fim da rua, um outro dormitório, só que bem alto, mais novo e, pelo jeito, ainda estava completamente vazio. Já para o lado esquerdo havia casas que não pareciam ser de estudantes. Eram maiores, todas muito bem-cuidadas, cheias de flores, com carros na porta. Talvez por ali terminasse a universidade. Amanhã quem sabe eu desse uma andada por lá. Hoje eu já estava muito cansada. Continuei ali sentada na escrivaninha, olhando pela janela. Já eram quase sete horas e o sol ainda continuava forte. "Aqui deve escurecer só lá pelas nove, dez", pensei. Por falar em hora, era uma boa hora pra eu ligar pra casa. Liguei pro meu pai, pra avisar que eu havia chegado bem.
— E aí, como foi a viagem?
— Foi bem, tudo tranquilo.
— Já fez amizade?
— Não, né pai, acabei de chegar. — E o quarto é bom?
— É, é super bom.
— Olha, a sua mãe já ligou aqui pra casa atrás de você.
— Tá, eu vou ligar pra ela.
— Então tá, filha. Vê se te cuida e vai ligando aí.
— Tá pai, tá bom. Um beijo, tchau!
Minhas relações com meu pai não andavam grande coisa. Antes de eu viajar,
eu tinha quebrado um belo dum pau com ele. Por causa da história de eu querer viajar, ir embora, e ele não querendo que eu fosse. E depois, ainda por cima, atrasou meu passaporte, eu perdi o avião do sábado e só pude ir na terça. Ih, maior encheção de saco. Ultimamente andava tudo assim, só briga, briga com
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DEPOIS DAQUELA VIAGEM
RandomNo tom descontraído próprio dos jovens, Valéria relata as farras com a turma de amigos, a dúvida entre " ficar" ou namorar, o despertar da sexualidade, a angústia diante do vestibular e muitas outras coisas que atormentam qualquer adolecente. Tudo i...