7- "AIDS mata!" Eu sei, porra, mas eu estou viva!

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Ele me olhou com aqueles olhinhos azuis e disse:
— Sei... bom, acho que ele não assustou. Se assustou, disfarçou muito bem.
— E faz quanto tempo? — ele continuou.
— Eu sei há quatro anos, mas já tenho há seis.
— E como você sabe disso?
— É que eu só tinha transado com uma pessoa e não tinha tido nenhum outro
fator de risco, transfusão, uso de drogas, nada.
— Sei. E você faz acompanhamento médico?
— Faço. Quer dizer, fazia lá no Brasil.
— E você está tomando algum remédio? Tipo AZT? — Não.
— Por que não?
— Por que ainda não precisou?
— É... quer dizer, na verdade, da última vez que eu fui no médico, há uns seis
meses, ele viu meus exames de CD4 e disse que se continuasse abaixando daquele jeito eu teria que começar a tomar remédio.
— Sei. E daí...
— Daí eu disse que não sabia se ia querer tomar remédio nenhum. Daí ele disse: "Vai tomar sim, por que não?". Daí eu fui embora e nunca mais voltei.
— Você não gostou do jeito que ele falou, foi isso?
— É, mais ou menos.
— E por que você não quer tomar AZT?
— Porque... — não adianta muito explicar, esses médicos não entendem nada
disso mesmo.
Acham que a salvação da vida dos pacientes é tomar uns comprimidos e
pronto. A vida fica uma maravilha.
— Por quê, Val? — ele insistiu.
— Porque esse AZT não cura nada. Só serve pra prolongar a vida das pessoas.
E eu não estou interessada em prolongar vida nenhuma!
— Sei, mas você não tem vontade de refazer esses exames, só pra gente dar
uma checada? — Não.
— Mas, Val, você não acha que fazendo isso é a mesma coisa que... — ele largou a prancheta no colo e tapou os olhos com as mãos — não querer ver?
— Tá, e se for? Mesmo que eu refizesse os exames e dessem baixo, eu não ia tomar remédio nenhum.
— Tá. Então quer dizer que por enquanto você só quer cuidar da tosse, é isso? — É.
— Tudo bem. Então vamos cuidar da tosse. Mas um raio X pelo menos eu vou

ter que pedir, para ver como está seu pulmão. Certo?
— Eu tirei o raio X, que ficou pronto em quinze minutos. Voltei à sala dele.
— Olha, Val, no pulmão você não tem nada. E isso já é muito bom. Só que eu
não posso garantir que essa tosse não tenha nada a ver com o HIV. O que eu vou fazer é te dar um antibiótico e outro xarope. E, na semana que vem, você volta aqui pra eu te ver, tá? E enquanto isso você poderia ir pensando um pouquinho no que eu te disse, da gente refazer o CD4 só pra checar. O que é que você acha?
Eu acho é que ele é muito educado e não ficou me enchendo o saco.
— Tá, eu vou pensar.
— Ótimo. E você não tem nenhuma pergunta a me fazer? Tem alguma coisa
da qual você tem dúvida, algo que você gostaria de saber? Eu não sou especialista em AIDS, você sabe.
Eu sou um clínico geral. Mas mesmo assim o que eu não souber eu posso me informar. Me conta um pouco como é que é essa questão da AIDS lá no Brasil?
Eu contei a ele e nós ficamos conversando.
— Inclusive — eu disse — eu tenho uma dúvida sim. Antes de vir pra cá, eu ouvi uns papos que não estavam querendo que os HIV positivos estrangeiros entrassem nos EUA.
Eu tentei me informar, mas ninguém conseguiu me explicar direito essa história. No consulado, me deram o visto numa boa, sem perguntar se eu era portadora. Mas eu gostaria de checar isso melhor. Será que você poderia me ajudar?
— Claro. Vou me informar direitinho e na segunda-feira, quando você voltar, darei a resposta.
— Tá, obrigada.
— Você vai voltar aqui na segunda, né? Vou estar te esperando! E caso você tenha algum outro sintoma, você vem antes, tá?
— Tá. — Puxa, esse doctorGust era legal. Não falei que os médicos americanos eram legais? Nem ficam mandando a gente fazer as coisas. Sempre perguntam antes se a gente quer. Saí de lá aliviada. Não só porque ele tinha sido legal, mas também porque agora eu tinha alguém naquela cidade para poder conversar sobre aquilo.
Na semana seguinte, voltei lá, com a tosse curada.
— DoctorGust, minha tosse passou!
— Que bom, Val. Eu também já me informei a respeito dos estrangeiros HIV positivos. O negócio é o seguinte: na verdade, o governo não está querendo que
essas pessoas entrem no país. Eles têm medo de que muitos comecem a vir para cá e sobrecarreguem nossos serviços de saúde. Mas já que você está aqui dentro, com o visto de permanência correto, pode ficar. O máximo que pode acontecer é, mais tarde, pedirem para você se retirar, mas ninguém vai te prender nem nada, pode ficar sossegada.

DEPOIS DAQUELA VIAGEMOnde histórias criam vida. Descubra agora