13- Sou gente outra vez

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Brasil, janeiro de 1994.
  No dia seguinte cedo, cheguei ao aeroporto, peguei as malas e fui para o saguão. Mas meu pai não estava lá. Caramba, será que ele tinha esquecido de vir me pegar? Pensei em ligar pra casa. Não tinha ficha. Não tinha dinheiro pra comprar. Pra falar a verdade, não sabia direito nem qual era a nova moeda do país. Podia pedir uma ficha pra alguém, podia ligar a cobrar, mas estava tão cansada que encostei o carrinho com as malas no canto e me sentei.
Estava tonta outra vez. Era melhor esperar um pouco. Tive medo de desmaiar e roubarem minhas coisas. Eu devia era pedir ajuda pra uma daquelas pessoas passando por ali. Mas também não tinha mais forças. Fiquei quieta, sentada, atordoada em meio àquele tumulto de aeroporto.
De repente, meu pai apareceu no meio daquele gentaréu. Veio se aproximando. Estava com uma cara de quem viu um fantasma.
— Minha filha?!! — Pelo jeito o fantasma era eu. — Aconteceu alguma coisa?! O que é que você está fazendo aí? Eu fui pro portão errado.
Me levantei.
— Tava te esperando — que bom que ele tinha chegado. Que bom que ele tinha vindo me pegar!
— Você tá magra, hein? Tá pesando quanto?
Isso! Viva meu pai! Fazia seis meses que eu não o via, louca por um abraço e um beijo, mas em vez disso ele pergunta quanto é que eu estou pesando. E como se não bastasse:
— Você está amarela! Você já viu sua cor? Não tinha espelho na sua casa, nã o?
Faz de conta que eu não ouvi nada disso. Vamos começar tudo de novo. Dei um beijo nele.
— Oi pai! Tudo bom?!
Ele pegou o carrinho com as malas e fomos em direção ao carro. Foi me contando como estava e como ia tudo por lá. Para dizer a verdade, ele reclamou m uito:
— O país está uma merda — ele dizia —, não sei aonde vamos parar. — Depois começou a reclamar da minha irmã, da minha mãe. E eu já começava a me arrepender de ter voltado.
— Vai ao médico quando? — ele perguntou.
— Amanhã— Vamos lá no dr. Infectologista?
— Nem ferrando!
— Minha filha, larga de ser turrona, ele é o melhor infectologista do país. — Melhor infectologista ele pode até ser, pena que não entenda de gente. — E vai fazer o quê, então?

— Sei lá. Acho que vou no dr. Homeopatia.
— Homeopatia não serve para essas coisas.
— Tá pai, amanhã eu penso.
Ele continuou falando na minha orelha, mas eu já nem prestava atenção.
Ficava só olhando pela janela. Agora estávamos passando pela Marginal, o rio Tietê, carro de marcas conhecidas, placas escritas em português, gente falando minha língua. Eu estava em casa.
Minha avó me recebeu com o mesmo carinho de sempre. Me abraçou demoradamente, me beijou e perguntou o que eu queria comer.
— Nada, vó, obrigada. Agora só quero dormir.
Fui direto pro meu quarto. Olhei na estante: meus livros. Abri a janela, lá estava ela, minha árvore. Maravilhosa, imensa, majestosa. Tão alta que alcançava o 6° andar do meu apartamento e ficava ali, sempre na minha janela, como se estivesse me protegendo.
  Olhei também para a área da piscina, lá do outro lado, o jardim estava repleto de hortênsias azuis. Olhei para as ruas calmas do bairro, só casas, muitas árvores e flores coloridas.
Fechei a janela e dormi tranquila.
No dia seguinte, fui com meu pai ao dr. Homeopatia, que me pediu uns exames. Quando ficaram prontos levei até lá. Ele concluiu que eu deveria estar com alguma infecção, apesar de não conseguir descobrir exatamente qual era. Me receitou, então, dois antibióticos, pois, em sua opinião, tratar infecção só com homeopatia não resolveria.
Meu pai estava com uma viagem marcada pra dali a dois dias. Pensou em cancelá-la, mas eu insisti que não. Afinal, eu já estava medicada e não haveria mais nada que ele pudesse fazer. Só me restava repousar e tomar os remédios e dentro de uma semana já estaria melhor.
Ele foi e eu fiquei em casa com minha avó cuidando de mim. Mas algo parecia estar errado.
A cada dia, eu me sentia mais fraca, mais cansada, já não conseguia andar direito, já não estava comendo quase nada e, no final da tarde, infalivelmente, aquela febre de 38, 39 graus.
Eu já havia falado com minha mãe depois que chegara. Mas naquele dia, quando acordei, minha avó me deu o recado de que ela havia ligado duas vezes. Liguei, então, para Manaus.
Minha irmã, que estava lá passando as férias, atendeu. Conversamos um pouco e eu perguntei pela mãe.
— Ela saiu, disse que iria comprar passagem.
— Passagem pra onde?
— Peraí. Ela disse que quer te ver.
— Ah. Meu Deus, fala pra ela que não precisa vir, que eu estou ótima!

DEPOIS DAQUELA VIAGEMOnde histórias criam vida. Descubra agora