Amanheci com o barulho de uma chuva calma, que desenhava traços irregulares na janela que deixei entreaberta a noite passada. Me levantei esfregando os olhos ainda cansados da noite mal dormida; ainda estava com o vestido azul e com aroma cítrico de quem ficou muito tempo no campo, eu precisava de um banho urgente.
Prendi meus cabelos curtos com uma piranha me encarando no espelho."Mais um longo dia se passará."
Enquanto confundia o som da chuva com o do chuveiro, me perdia em pensamentos e em milhões de problemas - me considerando um deles- e soluções que estivessem ou não ao meu alcance.
Li em algum lugar que existe uma palavra para esse sentimento de se estar preso num transe melancólico; esta palavra é "Ambedo" e significa exatamente: "Um tipo de transe melancólico no qual você se torna completamente absorto por pequenos detalhes sensoriais – pingos de chuva escorrendo pela janela, árvores altas se dobrando lentamente com o vento, espirais de creme se formando no café – o que, por fim, leva a uma avassaladora constatação da fragilidade da vida." de acordo com o artista e inventor dessa e mais outras palavras, John Koenig.
Então quer dizer que é agora que eu percebo que talvez não haja mais saída a não ser apegar-se ao conformismo? afinal, o pensamento é este: pessoas nascem, se tornam jovens que escutam discos com amigos e sonham em conquistar o mundo, mudar o governo e lutar por direitos iguais, até que crescem e adultos enfiam na cabeça deles que eles já são "grandinhos demais", e não existe essa coisa de "paz mundial" nem de mulheres que sustentam a casa por conta própria, nem negros que estudam em escolas de brancos; então eles se conformam com essa visão problemática da vida, e estão dispostos a deixar tudo o que construíram na mocidade , pra viver a vida que não haviam planejado; meninos e meninas que queriam ser astronautas, agora mal olham pro céu; meninos e meninas que tinham a vida em suas mãos, foram forçados a acreditar nessa visão vazia que muitos adultos têm de que a vida é isto: vários de você que devem ser deixados pra trás, conforme você cresce e a visão do mundo que você tinha antes, passa a ter uma cor desbotada, até que fique completamente cinza; mas até que tudo perca de fato a cor, já se tem lá seus 89 anos de idade, e se torna cansativo de viver, de sorrir, e é aí que a vida acaba.Mas eu nunca fui comum, nem me daria ao luxo de viver uma vida comum, uma vida que vai desbotando por arrependimento de não ter cometido loucuras, rido alto, pensado muito, chorado o suficiente, aprendido e me conhecido; me recusei a viver uma vida sem viver ela à flor da pele.
"Eu ainda posso mudar o mundo."
(...)
Terminei o banho abrindo a porta, impregnando meu quarto com o cheiro suave de lavanda, que se misturava ao de terra molhada de chuva e café recém passado; saí envolta numa toalha branca, com o cabelo pingando cristais de água no tapete verde, enrolei-os na toalha e vesti um shorts jeans e minha blusa dos Rolling Stones, coloquei uma jaqueta velha por cima, e de pés descalços desci as escadas.
-Bom dia Dona Teresina!- disse ao vê-la correndo para por o café na mesa
-Elize! bom dia!, dormiu bem esta noite?- ela falou se apressando para colocar algumas frutas no meu prato.
- Pode deixar, eu mesma coloco, descanse um pouco. Dormi bem e a senhora?
-Consegui descansar bastante- suspirou se sentando na cadeira estofada da mesa da sala, com um sorriso singelo que fazia com que seus olhinhos se fechem, me fazendo sorrir de volta.
-Onde estão meus pais?- perguntei ao perceber que só havia meu lugar posto à mesa.
-Ah sim!- ela se levantou de uma vez- eles foram até a cidade cuidar de alguns assuntos, talvez fiquem lá até amanhã de manhã.
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❝ Summer Wine ❞ + kth
FanfictionEm 1987 a Itália foi nossa casa, dos subúrbios aos os bairros nobres. Éramos filhos do vento, corríamos livres por todo canto, nossos pés caminharam por todas as praias, por todas as cidades, sorriamos para todos os céus, dançávamos no apocalipse qu...