"Jeans Azul"

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"Jeans azul, margaridas, poesia francesa e nuvens douradas acima de nós, eu jamais serei capaz de me esquecer, acho que poderia sentir sua falta para sempre." -Elize Vitale em "Verão de 87"

Foi na época que meus cabelos encaracolavam nas pontas e tinham a cor dourada de bala de caramelo, eu sorria mostrando duas janelinhas, e exibindo as outras pequenas pérolas cintilantes que eram meus dentes ainda de leite; a inocência e eu andávamos juntas na grama do quintal, a tinha dançando pelo meu vestido azul de linho, brincando nos pés descalços que corriam pela casa dos meus avós, onde sempre passávamos o verão.

Era uma noite quente em Florença, havia esses pontinhos de luz faiscando no céu que, na infância, cabe na janela aberta do quarto de toda criança. Vovó me cobria com um lençol de algodão e carregava no rosto aquela expressão sempre suave e serena de quem vive de amor, o cabelo cada vez mais prateado e os olhos tão azuis que eu nunca me esquecerei.
Lembro de examinar com destreza e fantasia o mundo ao meu redor, de tocá-lo, senti-lo; e acabava que tudo quanto existia e minhas mãozinhas não podiam apalpar, se tornava aos meus olhos um enorme mistério da vida, como as estrelas, por exemplo, elas eram mais um suspense que eu não entendia ao olhar pro céu.
Quando eu ainda era menina e tinha o mundo na palma da mão, na noite do meu aniversário de seis anos, vovó me contou uma história bonita sobre um menino e uma estrela; ele vivia num paraíso perdido no universo, onde habitavam sereias e piratas, onde tudo era possível se seus pensamentos fossem felizes; ele tinha uma mentalidade tão encantadora, que talvez fosse ela a responsável por fazê-lo levitar nos ares, concedendo à ele todo o firmamento e até os mares; logo pensei ter decifrado o mistério do céu e chamei as estrelas, de fadas.

-Um dia, vovó, eu vou escrever um grande romance, e vai ser sobre o garoto que a senhora me conta nas histórias antes de dormir, sobre as estrelas e as fadas. - e ela sorriu.

Daquela noite em diante, eu passei a dormir de janela aberta e totalmente alheia aos perigos da vida real, sonhava esperando que o menino pudesse vir do céu, sorrir pra mim e quem sabe, me levar ao paraíso perdido lá em cima, depois me trouxesse de volta como se nada tivesse acontecido, e eu acordaria como quem desperta de um sonho bonito. Lembro de que uma vez aos treze anos, eu estava naquele mesmo quarto com vovó, envolta em seu manto lilás; era outono e nós duas olhávamos retratos antigos de família há muito guardados nas caixas de sapato em cima do guarda-roupas, eram dessas fotografias que por milagre, pareciam não sucumbir com os anos.

-Veja querida- ela dizia. - sua mãe quando completou tua idade.- vi na foto um vislumbre da juventude da minha mãe. Ela estava de perfil, o nariz tão delicado que parecia modelado em porcelana fria, os lábios rosados contemplavam um sorriso que pela primeira vez, não me parecia misterioso ou enigmático, mas era tão pétala que poderia facilmente se confundir Rosalinda Vitale com um lírio recém namorado por um beija-flor; os olhos tão verdes olhavam para um lugar que não importava qual, era claro que ela sonhava, que tinha o pensamento distante, que estava longe quando vovô Antonnio fotografara mamãe no alpendre de seu quarto. - Ela costumava sonhar assim como você, Elize. Veja! escondido no canto direito dos lábios dela! um beijo.

-Um...beijo vovó?

-Sim, um beijo, assim como...- vi o momento em que seus olhos azuis quase anil se arregalaram e descobriram em meu rosto de menina, um enigma.- ei olhe só! Elize, querida! tens um beijo! Rosalinda! Martin! Elize já é moça! venham ver!- iam meus pais chegando dentro do quarto tão aconchegante, que parecia não ter espaço para mais ninguém além de uma senhora e sua neta numa tarde de outono, mas lá estavam eles dois, enfiados naquele cubículo, seus olhos fixos em meu rosto, que era um enorme ponto de interrogação.- Olhe lá, bem no canto direito. Aquilo não é um beijo?

-Um beijo!- suspirou mamãe.

-Minha pequena Elize... já uma moça!- sorria papai.

-Mas, para que ele serve?- indaguei.

-É para a maior aventura de sua vida, querida. Aqueles que o encontram experimentam o paraíso!- pura fantasia era o que sempre saia da mente tão mágica da senhora que me ensinara a sonhar.

-Encontram o que vovó?

-Aquele a quem o beijo pertence.

"Aquele a quem o beijo pertence..." eu balbuciava antes de dormir, buscando na repetição desta oração, um significado que não encontrava.

Não sabia entender o que eles falavam, sequer via escondido num detalhe sutil dos lábios algo que se parecesse com um beijo; por mais que procurasse, era mais um segredo que a vida hesitava em me contar, e fazia um sentido, muito, muito distante, tão distante que foi ser claro apenas quatro anos depois, no nosso tão famoso verão de 1987.

❝ Summer Wine ❞ + kthOnde histórias criam vida. Descubra agora