I. Outono

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"No outono de 1986, minha família e eu nos mudávamos para a nossa casa em Milão, após 2 anos visitando todos os cantos da Itália, seguindo meus pais nas viagens de negócios.

Mamãe dirigia usando seu vestido vermelho, papai colocara no último volume suas fitas dos Bee Gees. Naquela época eu amava usar roupas com estampas frutadas e um All Stars amarelo já surrado e desbotado.

Estava virada para a janela deixando a brisa bagunçar meus cabelos, e me admirava com a paleta de tons lilás da vista do campo de lavanda que florescera perto do vinhedo.
De longe pude avistar a vasta plantação de uvas que se dispunham a alguns metros de casa, e senti meu coração pular.
Estava ansiosa para correr pelo campo com meus amigos novamente, quem sabe até fazer um pique-nique com meus pais perto do lago.
Sempre que eu voltava eu tinha o enorme prazer de finalmente, sentir que pertencia de corpo e alma à algum lugar.
Embora fosse outono em meu país, em meu lar, tudo era primavera, tudo era poesia no campo e piquenique debaixo das laranjeiras com Alice; e assim como toda vez que retornava, eu me apaixonaria novamente pelos olhos castanhos de Diego Salvatore, por seu cabelo molhado caindo sobre a testa após um mergulho no lago, a maneira bonita que ele tocava "Ama-me com Ternura" do Elvis no violão e seu sorriso branquinho; Matteo caçoaria do último romance que havia pego da biblioteca no centro de Florença, antes de voltar; era outono, haveriam folhas douradas na escadaria de casa, haveria chá de canela e filmes de James Dean que assistiria com Alice no programa das 8:00 da noite; haveriam dias escritos no diário, haveriam risadas, eu estava em casa." - Elize Vitale em "Verão de 87"

Itália, 1986

Chegamos mais ou menos às 6:30 da tarde, haviam poucas estrelas no céu. Eu saí do novo Mustangue branco de papai ajudando a tirar as malas do carro levando-nas para dentro.
Nossa casa era um tanto rústica, tinha cheiro suave de carvalho e bétula, típico de uma casa de campo; cercada por plantações e flores silvestres, com vista pras montanhas e pro lago. Aquele era meu paraíso particular, eu viveria pra sempre ali.
Vi Dona Teresina com seus cabelos negros presos em um coque, abrir as grandes envernizadas portas de madeira, nos recebendo com um sorriso sincero e palavras de boas vindas:

-Ah enfim chegaram! a viagem foi boa? O jantar está quase servido!- deixei as malas sobre o piso envernizado e a abracei o mais forte possível, pedindo para que talvez um abraço assim pudesse expressar a falta que senti dela.

Subi as escadas correndo, segurando com a mão esquerda o corrimão de madeira trançado com algumas cordas, e com a direita, minha mala de couro que quase caía escada abaixo. Quando cheguei em meu quarto, larguei a bolsa na cama de casal e os sapatos logo foram jogados num canto; Destranquei a porta de vidro que bloqueava a varanda, me permitindo assistir ao espetáculo do pôr-do-sol se deitar sobre a plantação de uvas. Eu estava completa e puramente feliz, os Vitale finalmente tinham voltado pra casa.

(...)

Com as malas desfeitas, liguei o rádio numa estação qualquer, onde Lou Reed cantava seu último sucesso "The Original Wrapper", servindo como trilha sonora para minha performance no banho. Penteei meus cabelos e vesti a camisola de cetim que vovó Rita havia me presenteado quando eu estava em Florença;

"Seus olhos cintilam como cetim ao brilho da lua, minha filha"

Me olhando no espelho da penteadeira, a luz da lua realmente refletia um brilho suave que namorava o cetim. Permaneci sorrindo, sentindo saudades da vovó, até ouvir batidas apressadas na porta.

-Pode entrar!

- Senhorita Elize, seus pais a chamam pro jantar.

-Obrigada Teresina, já estou descendo.

❝ Summer Wine ❞ + kthOnde histórias criam vida. Descubra agora