Jardim de Memórias: uma história Chance de Ouro

23

  Sky levantou abruptamente. Em um espasmo involuntário, tomou fôlego até encher completamente os pulmões e liberar descordenadamente o ar. Lutava consigo mesmo para conter os tremores que apoderavam-se seu corpo, balançando dos pés a cabeça em um movimento nervoso. A respiração continuava ofegante e trabalhosa, o ar era rarefeito como se estivesse no pico de uma montanha, além disso a sensação de frio e cansaço eram exatamente as mesmas, a diferença é que estava sobre a cama, enrolado nos edredons suados. Olhou para o lado e viu Pete (ou Yang, não sabia mais como chamar), dormindo tranquilamente. E aquilo, de alguma forma, começava a incomodar o Aurum. Como ele podia estar tranquilo naquela situação? Sky não sabia de nada, até então, mas Pete sabia muito bem o que fez no passado, ele tinha todas as memórias.

  E mesmo assim, dormia tranquilo.

  Sky se levantou sorrateiramente dentre os lençóis e apanhou as roupas no chão. Depois de vestido, caminhou até a cabeceira onde repousavam os pingentes de sol e lua, e o par de pingentes dados por Crystal.

  "Espera... Um par?", Sky indagou. Como era possível que os dois estivessem aqui se o outro era de Crystal? Bem, não importava. A decisão de agora era o que realmente faria diferença. Levar aquele pingente de lua com ele significaria levar também Yang e Kai, junto com todo aquele passado perturbador. Era realmente isso que ele queria?

  Rapidamente, Sky tomou aquelas jóias e caminhou em passos sorrateiros pelo quarto até a porta. Tomou cuidado extremo, sob qualquer hipótese, Pete não podia acordar agora. Sabia bem que tanto Sky quanto Kai não gostavam de despedidas. Então, deixando o quarto em direção à saída, largou o pingente de lua na porta de entrada e pôs no pescoço a insígnia de sol.

  "Eu sei quem sou, mas agora, é hora de descobrir quem você é, Yang".

────⊱〖࿇〗⊰────

  A mansão dos Aurum estava em silêncio absoluto, nenhum ruído se ouvia além dos passos cuidadosos de Sky, subindo as escadas em direção ao quarto. Atravessou a porta apressadamente e jogou a mala de viagens aberta sobre a cama. Roupas, dinheiro e outras necessidades. A mala estava pronta para ir embora, só faltava uma coisa...

  Abaixou-se até a gaveta secreta e levou um susto que paralisou seu corpo e mente. As pílulas azuis que havia se esforçado tanto para esconder, o caderno de anotações, tudo havia sido levado.

  "Icaro", concluiu imediatamente.

  - Procurando por isso - A visão se Sky se voltou para o ruivo parado na porta, segurando o caderno de anotações - eu suponho.

  - Icaro, eu... - Sky se levantou desajeitado, com uma leve sensação de desespero. Se Icaro contasse aquilo a seus irmãos, seu plano estaria arruinado.

  - Não diga nada - o ruivo interrompeu, levantando a mão - só... Me diga o que pretende fazer antes que eu mude de idéia!

  - Espera - Sky indagou, confuso - vai me ajudar? Mas e o seu trabalho? Meu irmãos vão...

  - Sky! - ele interrompeu - eu já sei que não tem tomado os remédios, já sei sobre você e aquele garoto, é o meu trabalho saber tudo sobre você! Mas... - o ruivo cerrou os punhos, cabisbaixo - o que seus irmãos fizeram, o que seu pai fez... Foi longe demais. Eu não posso continuar fazendo parte disso!

  O ruivo caiu sobre os próprios joelhos, cobrindo o rosto em vergonha.

  - Icaro... - Sky aproximou-se do amigo, com a mão sobre seu ombro - você não é culpado por seguir ordens.

  - Mas eu sabia o que essa droga faria com você! - rebateu com voz de lamento.

  - O que passou não pode ser mudado, mas o que vamos fazer a partir de agora é decisão nossa... - Sky tirou as mãos do rosto do ruivo e o ergueu - você me ajuda?

  Sem hesitar, Icaro assentiu. Assim, os dois começaram, juntos, a preparar as malas. Em seguida, desceram as escadas até o carro de Sky, pondo a bagagem no porta-malas.

  - Já sabe para onde ir? - Icaro perguntou, guardando outra mala.

  - Não exatamente, mas eu me viro - Sky respondeu depois de fechar o porta-malas, aparentemente despreocupado.

  Abriu a porta da frente e tomou o assento do motorista, pronto para dar a partida. Mas antes do carro sair, Icaro lhe acertou algo no rosto.

  - Vai sair sem esse caderno? - o ruivo sorriu - parece importante.

  - Claro que não - Sky respondeu, empolgado.

  De repente, sentiu um sentimento pesado preencher seu peito. Icaro estava ali, arriscando seu emprego para ajudá-lo nessa ideia maluca e sem nenhum planejamento. Aquele mesmo que, sob ordem de seus irmãos, lhe conduziu naquele falto tratamento com a droga ADN2002. Aquele que fora sua companhia desde o dia em que acordou naquele hospital, cinco longos meses atrás. Seu grande amigo, Icaro. Sky não podia partir sem, antes, correr até ele com os olhos cheios de lágrimas, e em um abraço apertado lhe oferecer um simples e rápido:

  - Obrigado...

  - Encontre o que está procurando... - Icaro desejou, aconchegando-se àquele gesto.

  Depois disso, Sky partiu em seu carro, rumo ao desconhecido. No caminho, pensou que poderia passar por pessoas importantes, como Alex. Aquele baixinho podia ser precipitado, mas se não o tivesse ao seu lado em momentos como aquele, quando os dois espionaram Pete, na pousada...

  Na pousada... É isso! Pete não estava sozinho, naquele dia. O outro homem poderia ajudá-lo. Era sua única pista, tudo que tinha para ir atrás. E não perderia mais nenhum segundo. Já havia perdido tempo demais esperando que a resposta viesse até ele, era hora de buscá-la por conta própria. Por todos aqueles que lhe ajudaram a chegar onde estava - Alex, Min, Sammy, Icaro, Darwin, e mesmo Crystal e Pete - por aquele perdido e abandonado Kai Aurum, e principalmente...

  - Por quem eu sou... - concluiu, rumo à aurora do fim daquela noite - por Sky Aurum.