Prólogo: O porto inseguro de um capitão.

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Atualmente, Islândia.

A atmosfera iluminada pelos raios do sol seguida pelo vento matinal era o que apaziguava o percurso de um Park Chanyeol sonolento. Ele esteve dormindo tão pouco nas últimas noites que sua mente tão pouco se importava com qual data da semana era aquela, fazendo com que ele fosse a única presença restante no porto de frente para as montanhas geladas de Reykjavik.
O ex-capitão ― agora aposentado de seu título ― estava atracando seu barco, satisfeito que a temporada de verão estivesse o rendendo tanto dinheiro. Quanto mais dias quentes, mais visitantes e quantos mais visitantes, mais serviços prestados a quem atendia a esses visitantes. Trabalhar com carregamento de carga nunca foi a profissão dos sonhos dita como um objetivo do rapaz, mas quando ele apenas suspirou pesadamente, exausto de uma vida de regalias, o aborrecimento chegou e ficou evidente a inutilidade por detrás de bens que por fim, sobrariam. E diante disso, Chanyeol resolveu escolher um cotidiano simples, onde pudesse pagar os boletos que todo adulto tinha que lidar e as cervejas que o anestesiava de uma saudade antiga.
Seu barco não era o melhor atributo preso a plataforma e quando ele caminhou pela superfície de madeira, limpando as mãos sobre o pano que costumava carregar dentro do bolso, a fileira de veleiros e iates de último lançamento se contrapondo ao seu velho companheiro não o aborrecia. Nunca havia o incomodado, afinal, seu barco era um modelo ultrapassado, mas nunca o deixava na mão e isso era o que de fato, o importava.
Havia terminado as entregas mais cedo do que o habitual, contente que fosse tirar a tarde toda para se dedicar às muitas caixas de cervejas que havia comprado dias antes, podendo assim colocar em prática o plano de se embebedar o dia inteiro enquanto assistisse a alguma partida de futebol na televisão.
― Que dia incrível, não acha, Popeye? ― Chanyeol questionou para suas costas, onde um cachorro com a língua de fora, o seguia fielmente.
Popeye era um beagle que possuía uma pelagem dividida entre as cores castanho e branco. O cachorro simplesmente o seguia para todos os lados desde que havia sido resgatado da rua. Chanyeol não gostava muito de animais de estimação até dois anos antes encontrar um cão desprotegido, jogado dentro de uma caixinha de papelão, completamente indefeso em uma estrada de terra. E foi a partir de então, que um personagem de desenho passou a dividir o nome como o único companheiro do velho rabugento preso num corpo de homem com aparência de vinte e oito anos.
Chanyeol sentiu algo cair de sua mão e por conta disso, ele se agachou instantaneamente, ignorando a cena rara da animação de seu cachorro que atravessou seu lado, latindo após tanto tempo sem emitir aquele som. Ele capturou o anel do chão e recolocou novamente onde deveria estar, posicionando-o em seu dedo indicador. Havia uma pedra azul no centro do objeto contendo um cristalino de característica particular e talvez aquela fosse uma das poucas coisas físicas no qual o coração de Chanyeol mais depositou sentimento.
Quando os tênis estranhos se alinharam em frente à ele, seu cenho foi franzido. Popeye parou de latir e ele estranhou que mais alguém além dele estivesse presente num dia onde o porto estava tão vazio e em pleno feriado.
Mesmo sem saber se de fato, a presença desejava ganhar sua atenção, Chanyeol ergueu o rosto, mas foi impedido pela luz excessiva do sol que estava na direção contrária de seu corpo e não pode ver com clareza quem era o dono do entusiasmo de seu cachorro.
Primeiro, ele viu uma camada de amarelo exacerbado com muita neblina matinal, o chateando pelo esquecimento do boné dentro de sua caminhonete parada no estacionamento alguns minutos dali. E sem ele, seus cabelos loiros e presos na nuca, ficavam à mostra, outro detalhe que o importunava. Chanyeol não se importava mais que sua aparência fosse um cartão de visita, ainda mais agora, em meio às roupas que sempre variavam de jeans e camisetas de algodão. Se vestir com ternos ou roupas caríssimas não era mais uma opção.
Quinhentos anos pesavam mais do que dez. Quando ele forçou os olhos com a ajuda da sombra que conquistou graças ao movimento rápido da mão contra sua visão, percebeu que os quinhentos anos não havia o preparado para aquele momento.
Os adoráveis cachos junto à fisionomia jovem, oficialmente, fizeram seu coração palpitar como um louco. Se Chanyeol pudesse escolher duas palavras para definir a visão que estava tendo, escolheria paraíso e inferno e qualquer um desses destinos que colocassem aquela presença como armadilha, seria perfeito para ele cair de braços abertos. Ali estava uma obra de arte, moldado especialmente para sugá-lo para meados de 1500, quando o céu estava limpo de estrelas e seu coração, lotado de amor.
Chanyeol acreditava em muita coisa, carregava tantas histórias consigo que era mais fácil contá-las com naturalidade que a ficar explicando seus motivos por saber tantos detalhes sobre elas. Ele era rodeado por misticismo e sua existência era a prova viva do sobrenatural. Mas, provas vivas de magia uma hora ou outra, acabam apelando para o lado humano e silenciam as esperanças. E isso havia acontecido com ele, pois Chanyeol estava cansado de tanto andar em círculos pelo mundo.
― Byun Baekhyun. ― A nome saiu tão simples de sua boca, meio ao olhar espantado e maravilhado, mas com um peso tão meticuloso, pois nem por um instante, Chanyeol pensara na possibilidade de recitá-lo para quem estava ali, na sua frente, sem que ele precisasse fazer qualquer esforço.
Chanyeol estava fisgado numa completa hipnose. Já, o desconhecido, estranhou o fato de ter seu nome sendo chamado por quem nunca se apresentou formalmente, mas lembrou-se por fim que o crachá pendurado em seu peito esbanjava sua identificação.
― Acho que seu cachorro não gostou de mim. ― O estranho sorriu, colocando timidamente as mãos dentro dos bolsos da calça.
Voltando para a realidade, Chanyeol precisou piscar os olhos duramente e molhar os lábios com a língua. Estava fodidamente nervoso.
Merda! Além dos traços do rosto, a voz era idêntica também. Claro que, diferente da época em que o havia conhecido, a pele tinha ausência de melanina, talvez porque aquela figura tomasse pouca luz do sol, ele não sabia direito. O corpo e a altura não haviam mudado tanto, mas o cabelo e os olhos negros eram uma novidade.
Chanyeol estava enlouquecido por dentro enquanto o analisava com curiosidade, numa vontade silenciosa de beijá-lo e continuar fazendo isso pra sempre ou até que a falta que aquela boca o fazia, fosse embora de uma vez. Mas foi necessário lembrar que se caso ele o fizesse, acabaria preso ou odiado. E nenhuma dessas opções o faria feliz, sabendo que aquele ser existia no mesmo tempo e espaço que ele.
― Você poderia me dizer se conhece um homem chamado Kim Junmyeon? Ele é dono de um iate e trabalha como marinheiro particular.
― Eu acho que não. ― Chanyeol buscou sua melhor voz, sem que parecesse um idiota que não sabia falar. ― Na realidade, eu não conheço quase ninguém por aqui.

Chanyeol não era do tipo amigável, ele sequer dava chance das pessoas se aproximarem o suficiente para conquistar essa proeza. Pois no fim, Chanyeol havia aprendido a lição. Pessoas chegavam à sua vida e teriam que por continuidade de seu papel, deixá-lo por opção ou a falta dela e Chanyeol estava cansado de velórios e demais partidas.
Baekhyun desfez a simpatia do rosto e adotou preocupação. Coçou a nuca e girou o corpo apenas para avaliar algo. Chanyeol analisou a enorme mochila presa às costas do rapaz. Havia um grupo de várias pessoas ao longe, esperando por ele.
― Na verdade... ― virou-se de volta para Chanyeol ― eu trabalho como guia turístico e meu grupo de visitantes tinha um passeio marcado para hoje, às dez da manhã. Só que eu acredito ter confundido o dia ou algo assim. Ninguém atende ao telefone, e, droga ― Baekhyun se curvou para que as palavras pudessem sair sussurradas ―, esses estrangeiros não são nada amigáveis. Eu já me deparei com esse tipo de personalidade e acabei tendo que lidar com um belo processo judicial. Se eu notificá-los de mais um problema, serão dez processos dessa vez.
Chanyeol sorriu triste mesmo que metade da frase nem tivesse sido captada por seu cérebro completamente perdido na realidade. Ele deveria dizer que sentia muito, virar as costas e dar um aceno por educação, seguir seu caminho porque era perigoso demais se entregar ao desconhecido. Mas Chanyeol repetia mentalmente que da última vez, se entregar havia o doado a experiência mais incrível de sua vida, mesmo que agora ela fosse um montante de vivências sem sentido.
― Eu sinto muito. Realmente não tenho ideia de como posso te ajudar.
Baekhyun abaixou os olhos decepcionados, Chanyeol sentiu-se um babaca quando deu as costas para o homem da sua vida. Ele era só um babaca tentando evitar se magoar com a reencarnação do cara que ele amou loucamente a quinhentos anos atrás.
― Eu acho que sei como pode me ajudar ― Baekhyun insistiu.
Chanyeol parou os passos vagarosos que dava para longe de Baekhyun e suspirou para fora a tentativa de negar a repreensão que ele obrigava seu corpo a entender e sua mente a abraçar.
Ele não queria perguntar, fez um esforço para isso, fechando os olhos com força, mas ainda assim, o questionamento acabou saindo:
― Como?
― Me ajude com um passeio pelo mar em frente ao Monte Esja, as outras visitas eu cancelo com alguma desculpa. Eu te pagarei cada centavo pela condução. Eu prometo não atrapalhar, só preciso de um pequeno espaço e alguns bancos, se não for muito incômodo. O que acha, nós temos um acordo?
Chanyeol permaneceu quieto, aproveitando da pausa para pensar que não fazia acordos a mais anos do que conseguiria contar nos dedos. Girou o corpo e o encarou.
― Eu não tenho um iate para levá-los.
― Mas tem um barco. ― Baekhyun sorriu sorrateiramente de canto, apontando para a direção de onde Chanyeol havia deixado o barco.
― Como tem tanta certeza de que me pertence?
― Estava vindo da direção dele quando eu te vi, fora que as luzes do barco estão todas acesas.
Chanyeol franziu o cenho, olhou por cima dos próprios ombros, desconfiado da veracidade da acusação e estranhou que fosse uma verdade, afinal, ele era bastante atento.
― Está mentindo, eu apaguei todas.
Baekhyun esparramou o sorriso. Chanyeol havia caído.
― Viu como é o seu barco? Acho que eu sou um cara extremamente inteligente e fazer negócios com caras inteligentes é sempre algo inteligente a ser feito.
A perspicácia também era idêntica, Chanyeol pensou.
― E então, temos um acordo?
Chanyeol tinha segundos para pensar. Ele deveria pedir desculpas novamente, virar as costas e seguir adiante, porque novamente era perigoso demais se entregar ao risco de se aproximar de uma reencarnação. Mas o coração de Chanyeol era tolo como uma pedra e persistente como a alma de um capitão, afinal, a sede por aventura não havia se espatifado totalmente de si, mesmo após tantos anos. Ele não tinha vinho, garçons ou sofás confortáveis. Chanyeol tinha em seu barco milhares de cervejas na geladeira, várias caixas de madeira como assento, uma vista incrível e inúmeras histórias para contar. Isso se Baekhyun estivesse disposto a ouvi-lo. E acima de tudo, a acreditar nele.

BLACKOUT | ChanBaekOnde histórias criam vida. Descubra agora