Capítulo 6

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Um novo lugar

Quando saí do hospital, não fazia ideia de onde eu estava, não parecia mais o mesmo bairro, era um local repleto de pessoas, muitas mesmo, haviam prédios altos, e muitos barulhos, eu me senti como uma pequena formiga no meio daquelas pessoas, andando com suas pastas e roupas elegantes. Ainda sentindo algumas dores, só que bem descansado, sinceramente, antes de ir ao hospital, eu nem lembrava mais como era dormir em uma cama, ou comer bem. Comecei a andar em linha reta quando ouvi um barulho altíssimo, daí um homem me puxou pelo braço dizendo

- TOMA CUIDADO GAROTO, NÃO VIU O CARRO?

Olhei assustado, eu quase fui atropelado. No bairro onde eu estava, é claro que haviam carros, mas não nessa quantidade, eram muito... Pois bem, esperei que os carros sumissem da minha vista, quando isso aconteceu, passei uma grande faixa branca correndo, o engraçado é que eu não era o único, correndo para chegar do outro lado.

Continuei andando para descobrir mais sobre aquele bairro, que mais parecia uma cidade enorme, um pouco mais a frente vi um chafariz gigante, jorrava 10 vezes mais água do que aquele que eu havia tomado banho, não pensei duas vezes e fui correndo, entrei embaixo dele, e me molhei, sem qualquer receio ou vergonha, foi suficiente para me refrescar, me senti tão mais limpo depois daquilo... Mas se tem uma coisa que eu aprendi é que eu não tenho sorte, nem um pouquinho, nem o mínimo, enquanto eu tomava banho apareceram dois meninos subindo na fonte, garotos de mais ou menos minha idade, um era branquinho, cabeludo bem magrinho, tinha a camisa toda furada, e era bem menor que eu, o outro era negro, short bem menor que ele, ele era bem magrinho, tinha um bico enorme, e me encarava com um olhar de raiva, esse olhar eu conheci muito bem.

-Qual a tua menó? Tá fazendo o que na nossa fonte

Achei engraçado o bico que ele fez, comecei a rir. Ele me deu um empurrão seguido de um soco, cai para traz, cai sentado no laguinho que ficava entorno da fonte, ai ele perguntou

- Tá engraçado agora?

Ele pulou na direção que eu estava, veio até mim com andar de lutador, achei um tanto engraçado, porque ele era magro demais para intimidar alguém, e por mas que tivesse me batido, eu não sentia medo dele

- Do que você tanto ri? Hein otário?

- Acho engraçado seu modo de andar, e seu bico.

Logo o menino que estava com ele, começou a rir e disse

-Aí bicão, vai deixar te gastar?

Ele veio em minha direção e me levantou pelo braço

E você menó? É tão feio que quando você nasceu o medico bateu na sua mãe

Achei engraçado e dei um sorriso e disse.

-Sua mãe é tão velha, que na certidão de nascimento dela tá escrito expirado

Ele começou a rir também.

-Qual seu nome menó? Ele me perguntou

-Leonardo. Respondi ainda com sorriso, pela piada bem feita

-Que nome Grande, vou te chamar de Leo

- E o seu qual é? Perguntei a ele

-Welson, mas todos me chamam de bicão, o dele é Richard. Apontou para o menino que estava ao seu lado

Depois disso conversamos um pouco, eu disse que estava sozinho, que havia fugido de casa, e que havia sido roubado, e que as coisas não estavam fáceis, ele perguntou se queria vim com ele, afinal nas ruas ou você anda acompanhado, ou você vai dormir e no outro dia, não acorda.

Eles me levaram onde eles costumavam ficar, era um beco entre dois prédios grandes, segundo eles era o lugar perfeito, era quente, quase não tinha ratos, ele até comentou que tinha outro, mais para frente, tinha um lugar maior, que também era ocupado, por garotos maiores. Quando cheguei lá, encontrei um outro menino, bem maior do que o bicão, todos os chamavam de neguinho, e eu não faço a mínima ideia de qual de fato era seu nome, na realidade ninguém sabe, ele nunca disse, quando o bicão chegou logo anunciou

- Neguinho, Chega ai, eu e Richard achamos um menó que é uma comedia.

-Cadê Cadê? Respondeu neguinho já rindo

Foi um momento legal, imaginei que aqueles caras iam me bater ou algo do tipo, mas descobri que havia muito mais humanidade neles, do que nos que deviam nos ajudar...

Naquele dia neguinho tinha conseguido uns trocados, então ele comprou pão e comemos, um pão já foi o suficiente para me encher, meu estomago era muito pequeno, depois de comermos ficamos conversando, falando de sonhos, e das coisas que vivemos, eu contei do quanto apanhei, mas fiquei abismado, nenhum deles se surpreendeu com as agressões que eu sofri... Conversamos por horas, até que um a um, foram pegando umas cobertas sujas que haviam ali, todas elas espalhas pelo chão, se cobriram, deitaram e dormiram, fiz o mesmo, dividi com Richard, e dormi. No meio da noite acordei e vi o bicão no inicio do beco, olhando para o céu, ele estava de pé sem camisa, e com os olhos marejados, me aproximei, ele ouviu e logo emburrou a cara, e disse de maneira rude

-Qual foi? Vai deitar, me deixa sozinho

Me aproximei e perguntei o motivo daquilo tudo, e ele me contou...

Welson ou bicão, como preferir, era o filho mais velho de uma casa de 7 crianças, o pai dele morreu quando ele tinha 8 anos, sua mãe não suportou a perda do marido, e começou a beber e fumar de forma descontrolada, em pouco tempo eles não tinham mais o que comer, como se não bastasse, ela caiu nas drogas também, depressiva, bêbada e drogada, ele mal falava com mãe dele, porque quase nunca via ela sã, depois de 2 anos vivendo isso, ele decidiu fugir, mas ele me fez uma confissão que jamais esqueci

-Todas as noites eu olho o céu e pergunto para Deus, será que meus irmãozinhos estão bem? Me arrependo de nunca ter voltado para busca-los

-Por que não volta? Quem sabe as coisas mudaram...

Você realmente acha que alguém, depressiva e viciada, sem qualquer apoio familiar, simplesmente deixa de fazer as coisas? Me perguntou olhando fixamente nos meus olhos, enquanto chorava

Na realidade eu não fazia ideia do que responder, afinal eu mal conheci minha mãe, e não sabia sobre vícios, ou depressão, então eu apenas disse

- Tenho certeza de que tudo ficará bem.

Voltamos a dormir, todos juntos, como uma família

O mundo do lado de fora e suas doresOnde histórias criam vida. Descubra agora