Imensidão Azul
Os dias foram passando, e a gente não saiu daquela praça, até que o bicão disse que precisávamos sair dali, as pessoas que estavam ali já estavam cansando da gente as esmolas já não eram mais as mesmas. Por isso o bicão disse que sairíamos dali, sem muita cerimonia ele se levantou, pegou nossas coisas (cobertas e coisas do gênero) e saímos, andamos por uma calçada que beirava uma pista, andamos em linha reta, por aproximadamente uns 20 minutos. Quando pista terminou eu fiquei mudo... havia muita areia, e logo depois dela havia muito azul, tanto azul que ele ia além da minha visão, chegava um momento em que aquele azul se misturava com o céu, o som que se ouviu era lindo, o vento que vinha em minha direção, seguido de uma explosão da água quando se chocava com a areia.... era apaixonante, me senti dentro de um dos livros que eu lia, fiquei tão surpreso com aquilo, que eu esqueci que estava com fome, esqueci que estava preocupado, eu sentei na beira daquela calçada que me dividia da areia e fiquei ali admirando
-Nunca viu o mar? Perguntou bicão com cara de surpresa
Não, sei que é a coisa mais linda que já vi....
- Quando ele se choca com a areia e se despedaça, eu sinto como se fosse minha vida se chocando com a realidade, se chocando com o mundo.Eu fiquei ali, olhando fixo para as ondas
- Você fala muito engraçado para alguém da sua idade. Disse Richard coçando a cabeça.
-E ai? Vai ficar só olhando, bora cair no mar!!! Disse bicão e saiu correndo em direção ao mar
Corremos e pulamos no mar. A praia estava um pouco deserta, mas foi incrível, foi tão divertido viver aquilo, aquela água gelada e na mesma medida salgada, misturada com areia, que lavou meu corpo e minha alma, a cada onda que se quebrava perto de mim, tudo era novo, tudo era apaixonante. Depois de algumas HORAS, isso mesmo horas, sentimos fome, e começamos a andar pela areia, caçando algo para comer ou alguém que nos desse comida, por sorte conseguimos um pouco de comida, havia um vendedor ambulante que andava por ali e nos comprou comida, agradecemos muito a ele. Assim que terminamos de comer ele nos fez um convite, um convite que me pareceu ótimo, ele disse que se quisemos comer sempre ele tinha a solução, ele nos dava a caixa, vendíamos para ele, e quando voltássemos ele nos comprava comida, e mais alguma coisa se precisássemos, achamos ótimo, topamos na hora, e ali começamos, pegamos sua caixa de sorvete, e saímos vendendo. O nome do vendedor era Pedro, todos os chamavam de Pedrão, até por que ele era um cara enorme, ele era muito alto, tinha um bigode branco, usava um chapéu que defendia sua cabeça do sol, sempre usando uma blusa azul, com um sorvete desenhado, ele era negro, um homem forte eu diria, suas mãos eram do tamanho da minha cabeça.
Começamos a andar pela areia, ainda estava cedo, por sorte eu entendia bem de números, graças a instrução que tive em casa, e por isso não tive problemas a respeito de trocos e coisa parecida, andei por aquelas areias por horas, as pessoas compravam bastante e gostavam, fizemos isso até o sol se pôr, e quando as pessoas começaram a sair da praia voltamos, então Pedrão pegou o dinheiro, nos levou para comer um salgado e nos dispensou dizendo que queria que voltássemos amanhã. Voltamos para a praça animados, e de barriga cheia, dormimos felizes, e lá estávamos nós no dia seguinte, pegamos a caixa e trabalhamos até uma da tarde, e quando chegou esse horário Pedrão nos procurou e nos levou para almoçar, ao terminar o almoço ele disse que nossas roupas estavam muito sujas, então ele decidiu nos levar para comprar shorts, e assim foi, cada um ganhou um short novo, e uma camisa e também um chinelo, e depois de tudo isso, voltamos pra o trabalho, eu nunca estive tão animado com algo, ele disse ser necessário roupas novas, a final quem compraria e confiaria comprar comida de alguém sujo? Ele tinha razão... Era uma homem muito inteligente.
Com passar do dia, comecei a fantasiar, como vai ser minha vida agora? Será que ficarei rico? Comprarei minha casa? Deixarei de sentir tanta fome? Fiquei extremamente empolgado com meu pequeno e novo trabalho. Os dias foram passando, e eu confesso que me acostumei com aquele modo de vida, Pedrão passou a nós dar 10 reais no fim do dia, o que não era muito, mas me alegrava muito, segundo ele, isso servia para que se tivéssemos fome a noite, comprassemos algo. Eu costumava guardar aquele dinheiro, afinal eu não sentia mais tanto fome, Pedrão nos levava para comer na parte da tarde todos os dias, e a alimentação com ele era diferente, não era como a que Rodolfo me dava, eu sentia que ele não me odiava.
Depois de um mês constante naquele dia a dia cansativo e árduo, bicão me chamou e disse baixinho, que tinha tido uma ótima ideia
- Você percebeu uma coisa? O quanto a gente vende todos os dias? e olha o que a gente recebe!! isso não é justo. Disse bicão com um olhar de injustiça
- Não vejo dessa forma, ele nos dá comida, roupas, até chinelo, e ainda por cima somos pagos. Falei de forma firme.
- Deixa de ser idiota, isso é obrigação dele, ele não nós faz nenhum favor, trabalhamos pra ele. Disse Richard que concordava com bicão.
- Tudo bem, vocês podem estar certos, mas e aí? O que vamos fazer? Perguntei movido pela raiva
- Eu já percebi, ele nunca confere quando a gente entrega para ele, vamos cada um tira 20 reais do que a gente entrega pra ele, ele não sentirá nenhuma diferença. Disse bicão com um grande sorriso
Foi o que fizemos, vendemos tudo, e aí final do dia entregamos o dinheiro. Na hora que passei o dinheiro para sua mão, senti medo que ele suspeitasse, tremi e tive muito medo, e se ele soubesse? Ou percebe-se minha inquietação? O que seria de nós? Mas não, como disse bicão, ele nem se quer olhou, apenas o pós no bolso, e com um enorme sorriso, nos levou para comer, eu comi naquele dia, mas foi diferente dos outros dias, eu não estava orgulhoso, nem mesmo feliz, eu senti culpa e muito remorso, quando ele foi embora, e ficamos nos três, bicão disse que foi tudo lindo, mas sinceramente, não senti nada de lindo no que eu acabava de fazer
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O mundo do lado de fora e suas dores
PertualanganLeonardo é um rapaz curioso, perdeu sua mãe com apenas 2 anos de vida, e depois disso foi criando por seu padrasto, porém o menino nunca saiu de sua casa, por conta da super proteção de seu padrasto, mas em um determinado dia léo decide conhecer o m...