1668 - Soneto 136

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A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

ANÁLISE

O quarteto se vale de um clichê típico da arcádia: Locus Amoenus. Este lugar aprazível, dotado de frescor, formosura, sombra verde, rios lentos... é um verdadeiro Éden, um arché, o princípio perfeito de tudo o que o homem nunca construiu – o ambiente naturalmente propício à felicidade. Lá, o rio desemboca lentamente no mar, o sol se põe atrás das montanhas, o gado humildemente se recolhe. Trata-se um estado panteísta – uma espécie de “terra do nunca” ou “lagoa azul”. No entanto, a felicidade lírica só faria sentido se a primavera (reprodução da perfeição natural) contemplasse, também o homem, elemento igualmente natural, um bom selvagem. Daí a necessidade da presença da amada para a consumação do Amor idílico árcade.

A sedução se torna explícita no último estágio do soneto: não há valor no maior legado para a humanidade se o humano pode se extinguir. Assim, o universo só será saboroso se a mulher autorizar a sê-lo. Isso se dá pela aceitação do Amor – sempre patriarcal / Hades – unilateral. Isso porque não se questiona se tal amor é importante para a dama, mas se afirma que a satisfação dos desejos masculinos são uma necessidade de ordenação e manutenção do cosmos.

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