1565- Soneto 080

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Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer te
algüa causa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver te,
quão cedo de meus olhos te levou.

A

NÁLISE

Soneto dedicado a sua amada, a chinesa chamada Dinamene. Camões, segundo a lenda, estava de viagem a Macau, na China, quando seu navio naufragou. Indeciso, sem saber se salvaria a noiva ou a obra épica “Os Lusíadas”, o jovem poeta optou pela narrativa clássica. Com remorso, escreveu este soneto com base antitética: ela, um anjo celestial; ele, um homem ímpio, vivendo encarnado, só. Outra vez vê-se a temática neoplatônica: o homem é impuro e a mulher perfeita. Por fim, ele pede que ela interceda junto a Deus, para que este o leve a vê-la, dada a extensão de seu amor.

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