PRELÚDIO

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Seguia uma rotina bem estrita, mas ainda sim tirava tempo para ler alguma obra interessante antes de sair para o trabalho na Casa Morgna (leia-se Mórnia), onde ficava seu escritório e provavelmente o único lugar onde sentia-se livre para conversar com outras pessoas sobre o que gostava.

Mariale era uma cidade extremamente planejada e era notável a dificuldade de adicionar uma nova construção à cidade, os prédios novos eram majoritariamente reformas dos anteriores ou ascenderam após a demolição de seus antecessores. Por causa disso as ruas eram exatas e quase nunca existiam complicações de trânsito, inclusive, trafegavam por lá somente carruagens, charretes, cavalos soltos e algumas poucas bicicletas (invenções muito recentes, por sinal, agora eram simples e compactas). Ariezad tinha uma destas e usava-a todo dia para viajar até o casarão. Mas algo diferente o esperava hoje já no portão principal; lá estava uma tropa de alto escalão da marinha, todos de trajes brancos e detalhados com ouro, dos pés a cabeça, portavam um chapéu em formato de cilindro com ornamentos dourados, além de cada um portar um fuzil e um sabre. Eram uns quinze homens, conversando com Balmnus Quissera (diretor principal da Casa Morgna), ao passo que um grupo de estudantes aglomerados ali apenas escutava.

Ao aproximar-se dos estudantes e meter-se no furdúncio, perguntou sobre o que estava acontecendo, e entre a bagunça de vozes, conseguiu escutar de um colega mais velho que "encontraram uma bandeira misteriosa no oceano, não sabem de onde é!" e Ariezad não entendia o porquê da vinda logo a uma casa de biólogos  — uma bandeira não seria uma preocupação maior para a marinha ou para os geógrafos? — ponderou em silêncio por alguns segundos enquanto caminhava para o centro, buscando dar uma espiada na bandeira.

Entrou e quando finalmente vislumbrou de relance a bandeira, fora capturado pelos olhos do diretor — que o puxou pelo braço com força — trazendo-o para o centro das atenções: lá estava a bandeira, amarela e com detalhes em um verde muito escuro. Uma circunferência grossa no topo que era segurada por um "T" com duas esferas para cada lado deste "T", todo em verde escuro, contrastando com o fundo amarelo.

— Sr. Mariale, por favor, agora que já observou a bandeira, preciso que diga-me algo — Disse o diretor, fomentando ainda mais as dúvidas e confusões do jovem pictobiólogo.

— Diga, diga, senhor diretor, do que precisa?

— Como meu melhor pictobiólogo, preciso que acompanhe seu colega, o Sr. Burnholt, em mais uma viagem para o Sul — Ele pôs uma mão sobre o ombro do garoto, que estava com a maior expressão desnorteada possível.

— Viajar, senhor?

— Com a melhor embarcação de pesquisa que o dinheiro da Casa pôde comprar, com bons equipamentos, boa comida e boa tripulação! — Dava tapinhas nas costas de Ariezad, trazendo-o para perto — Vai estar protegido e seguro a viagem inteira meu rapaz, então não tema.

— Viajar? Sem destino? — Respondeu, atônito

— Claro que tem um destino! Mas me escute aqui — Sr. Quissera, que era um pouco menor que seu empregado, puxou o jovem pra baixo e sussurrou em seu ouvido — Essa é uma viagem extremamente experimental e perigosa, estes homens que estão ao nosso redor não são do império, são mercenários de um país vizinho, então apenas aceite estas condições e vá calminho, entendeu? — Deu uma risada descontraída, acenando para a multidão.

As palavras do diretor deixaram-no completamente confuso, mas em algum lugar no coração do jovem Ariezad uma curiosidade e ânsia de grandeza dava-lhe combustível para viajar atrás de cada criatura deste mundo. Queria muito viajar, apesar dos riscos que surgiam em sua mente, gostava de acreditar que iria valer a pena. Queria elogios, amigos e uma boa viagem, o que poderia dar errado?

O Sr. Burnholt — que não estava na multidão, mas observando por uma janela dentro da casa —   não era um pictobiólogo como seu colega de trabalho, e amigo, Ariezad. Suas habilidades eram sim muito importantes para o ramo científico, mas também possuiam um alto valor militar: um alquimista de batalha, ou só alchemo. Estes eram marcados desde a infância para o ofício, não aprenderiam outra coisa se não os caminhos da quimíca, da estratégia e da guerra.  Possuia uma personalidade firme e silenciosa, seus olhares eram pesados e cheios de significado. Vestia-se em tecidos azul marinho e usava um distintivo de ouro no peito para simbolizar sua profissão. Alchemos são conhecidos por serem reclusos da sociedade, cães de briga que aparecem somente quando as coisas estão ruins. Entretanto, é óbvio que a regra tem exceções; alguns dessa profissão faziam parte ativamente e eram pilares de suas comunidades. Alexius, por mais calado e sério que fosse, ainda sim tinha uma personalidade bastante gentil e era respeitoso com os outros.

Viagem à Terra do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora