Meli

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 Meli não conseguia responder nenhuma das  perguntas que surgiam em sua mente na mesma cadência cujas balas saíam de uma metralhadora, despedaçava-se na cama e estourava de tristeza, mas sem mexer um músculo, sem deixar uma lágrima sair, não, não ali.  Vez ou outra deitava a cabeça e encontrava-se novamente em seu quarto. Levantava a cabeça e seu olhar encontrava os 10 pares de olhos de sua velha esquadra em uma fotografia que ficava à sua mesa. Não tocava na moldura, apenas observava de longe, com saudades de seus "dias de glória". Quantas vidas ela havia salvado? Não era tão importante para Meli como o reconhecimento e fama que vinham desses atos grandiosos. Ela era o rosto que vinha à mente do povo quando "herói militar" era dito... era.

A frustração vinha e ela levantou-se da cama, olhou ao redor do quarto e respirou fundo.

—  Minha alma é imortal, e eu sou a Guardiã da Costa. Eu nasci para salvar o povo deste reino que agora deixo — Apoiou-se em uma parede após uma chacoalhada mais bruta do navio — Minha lenda está apenas começando e não posso deixar o passado me segurar assim...  — O navio chacoalha novamente... Sons de gatilhos e engrenagens se soltando se dispersam pelo ar, o tombo de um corpo pode ser escutado.

— Por que eu achei que essa viagem clandestina fosse me ajudar? — Seus olhos enchiam de lágrimas, com uma voz agourenta como o chiado de gato, seu corpo no chão e suas pernas firmes no ar, com as engrenagens expostas e procurando as outras partes que haviam sido desconectadas. Começou a gritar com todo o ar de suas gargantas, naquele momento estava longe de qualquer pessoa no universo. Começou a xingar e sua voz violenta fazia as madeiras do barco estremecer, mas nenhuma alma viva aproximou-se do quarto.  A raiva, enquanto erodia-se com a tristeza, fez Meli agarrar os lençóis da cama para se forçar à subir na cama novamente, preparando-se para reconectar-se com seu corpo.

Como se nada daquilo tivesse acontecido, limpando as lágrimas do rosto, trouxe as pernas para perto e encaixou-as novamente no lugar adequado. Quando escutou um clique, parou de puxar duas alças que encontravam-se nas extremidades de sua cintura. Respirou fundo novamente e jogou-se sobre a cama, puxando o lençol e cobrindo parte das pernas.

Súbito, olhou para uma pequena janela em seu minúsculo quarto e encarou o oceano vasto e escuro, observou a lua caminhando pela estrada de prata que surgia no mar, admirou suas feridas, e ali, seus olhos brilhavam como as estrelas. Srta. Cartage pode finalmente notar a ação inconsequente que foi embarcar nesta viagem, mas o navio já estava muito longe do porto agora.

Viagem à Terra do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora