TEMOR

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A sensação de estar sendo observado pelo predador, de ser a presa esperando o bote, há algo mais pavoroso? A tripulação inteira se sentia assim, sob vigia da forma misteriosa. Ariezad correu pelo convés, já ciente que estavam em grande perigo. Poderia ser qualquer coisa, portanto, subiu umas duas escadas até chegar na sala do capitão, mandando que ele se distanciasse o máximo possível daquilo. A criatura era gigantesca, seus olhos eram de um azul fantasmagórico e fraco, que trespassava as nuvens para corroer a coragem dos navegantes. Tinha a altura o suficiente para ficar em pé no oceano e ainda ser dez vezes mais alta que o navio... Verdadeiramente pavoroso.

Subitamente, a paz foi quebrada quando as ondas foram partidas ao meio por uma mão ascendente, pele verde e cartilaginosa como de uma baleia, mas ainda tinha dedos como um homem. Cortou o barco no meio e gerou uma histeria geral; Srta. Cartage saltou e agarrou Ariezad com um braço, deslizando pelo convés até cair em cima de um dos botes de emergência, desatou-o ao puxar uma alavanca e saltou novamente usando seu aparelho, quando os ganchos fincaram-se no mastro, puxou dois guardas e o Sr. Burnholt, retornando ao bote cada vez mais rápido, com o corpo sendo banhado por água salgada e adrenalina pulsante.

Ela saltou para o outro lado que afundava, havia pouco do convés, mas conseguiu segurar a mão de um outro guarda que estava quase com o pés na água congelante. Abaixo do coitado que acabara de ser salvo, estavam mais sete outros congelados no oceano, já mortos. Meli reativou o gancho e retornou ao mastro, jogou o sujeito para o bote, onde os outros rapazes o acomodaram. Intrépida, ela saltou para o interior da embarcação, agora aberto, para pegar comida e água fresca; recuperou dois barris pequenos, um com água e outro com biscoitos e frágeis frutas Quebe-do-sul, e saltou novamente para voltar o mais rápido possível.

Ainda havia algo naquela embarcação que era de muito valor, valia a pena arriscar? Sim. Mas não dava mais, a criatura já estava destroçando o outro lado, Meli não tinha escolha a não ser voltar, todas as anotações e mapas agora estavam perdidos, destinados a desaparecer no infinito oceano. Saltou para o bote, e pegou um manto vermelho e furado que antes cobria a diminuta embarcação, mandou todos deitarem e os cobriu.

— Com sorte, aquilo acha que somos só mais um destroço, ajeitem-se e parem de se mexer tanto! Temos que viver! 

— Com todo o respeito, Srta. Cartage, acha mesmo que sobreviveremos? — Perguntou o Sr. Burnholt, deitado e quieto, com um tom respeitoso e calmo, embora o mundo estivesse desabando ao seu redor.

— Temos que sobreviver, alchemo. — Respondeu, ajeitando-se sobre a barriga de Ariezad— Você, cientista, viva para chegar ao seu destino.

— Minha nossa... — Só soube dizer isso, pensando somente em voltar para casa.

— Como sabe de minha profissão, senhorita? — Perguntou Alexius, inquisitivo.

— Esperem! — gritou ela, silenciando todos. — Está olhando para cá!

Estavam cada vez mais silenciosos, mórbidos e inertes. Talvez até pudessem esquecer que já foram vivos. As vezes Ariezad chegava à espiar pelos furos do tecido para saber se estavam em perigo, mas sempre arrependia-se ao ser engolido pelo brilho dos olhos do monstro. De certo modo a criatura estava muito longe para vê-los. Talvez fossem apenas destroços para ela, talvez não. Todos aceitaram que a melhor ideia era não arriscar.

— Isso é demais para mim — Comentou um dos soldados, de pele morena, olhos verdes e cabelos curtos e escuros, de rosto com traços latinos. Uma cicatriz tímida se fechava em sua bochecha após o incidente — pensei que seria uma viagem tranquila!

— Não estávamos tão longe de nosso destino, de acordo com as previsões de Ariezad — Retrucou o Sr. Burnholt, um pouco desconfortável em sua posição — Acredito que estaremos lá em... Um mês, no máximo.

— Mês? Não podemos aguentar dias! Não temos tanta comida assim, e somos seis! — Ariezad estava preocupado, caçou um dos barris com o resto de espaço que tinha e destampou-o.

Ele não teve resposta, não tinha expressão, engoliu a seco e fechou os olhos, esperando acordar em casa. Estava tão podre que sentiu a acidez do vômito dilacerar sua garganta, fechou o barril e abraçou-o, perto de chorar.

— Garoto? — Perguntou Meli — O que houve?

Não tinha forças para responder, só ficou calado.

— Estamos sem comida, não estamos? — Deduziu Alexius. Por mais que estivesse certo, estava abalado. Olhou através de um furo no pano para enxergar o oceano na esperança de encontrar salvação, mas estava tudo igual; Vasto, infinito e mortal.

— Que destino cruel — Disse outro dos soldados, um pequeno homem, branco e loiro, tinha certo aspecto holandês, com sua longa cabeleira comprimida no interior daquele bote minúsculo de madeira maciça.

Ninguém queria falar nada, era difícil aceitar a morte tão abruptamente. Ariezad estava perto de irromper em lágrimas, mas o alchemo parecia até indiferente enquanto encarava o oceano por uma pequena fresta entre o manto e o bote. Srta. Cartage estava sendo consumida pelo medo e orgulho por dentro, estava se arrependendo de ter feito o que fez, a amargura e a raiva, no entanto, escondiam-se em seu coração, esperando o momento certo para escapar.

Viagem à Terra do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora