5. Gentileza

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 Noah ignorou a pergunta completamente enquanto o carro avançava para o estacionamento no subsolo. Cada vaga demarcada por um retângulo amarelo desgastado dava para uma escada que muito provavelmente levava ao quartinho do amor. 

 - Noah, eu estou falando com você - o encarei com um expressão cética.
 - E eu estou ouvindo - ele parou o carro e me olhou seriamente. - Você disse que confiava em mim, não disse?
 - A One Direction disse que a pausa iria durar 18 meses - respondi.
 - Muito engraçadinha... Vem.

 Noah desceu do carro e ficou esperando-me encostado no capô. Respirei fundo. Tudo isso era loucura, não fazia sentido algum. Eu não precisava ter fugido, haviam motivos claros para eu ter feito aquilo e eu só precisava explicar. Ok, não seria tão fácil assim... De qualquer forma, eu pensaria melhor quando estivesse com minhas mãos limpas.

  Desci do carro e acompanhei Noah em silêncio. A escada tinha uns 30 degraus e não deveria ser muito agradável para um casal apaixonado ter que esperar tudo isso para consumar seus desejos ardentes... Quantas pessoas pararam pelo caminho? A ideia me fez rir e, ao mesmo tempo, cogitar se limpavam aquelas escadas com uma frequência aceitável. Bom, o nervosismo me fazia pensar e falar coisas aleatórias. Isso acontecia quando eu beijava alguém pela primeira vez (as vezes na segunda... terceira...) e agora descobri que também acontecia quando eu estava num motel com o garoto que mais me despreza na face da terra logo após quebrar cinco garrafas em um bêbado. 

 Ao final da escadaria com paredes marfim havia uma porta de madeira envernizada completamente lisa com um puxador dourado em formato de S com cerca de meio metro. Nenhuma fechadura estava visível do lado de fora, apenas uma plaquinha com os dizeres "totalmente seu" dependurada em um ganchinho no centro da porta de um marrom brilhante. Noah virou a plaquinha, que continha a palavra "ocupado" em seu verso. Esse detalhe devia dar um gostinho a mais em toda a situação, a imagem de um casal apaixonado virando a tal plaquinha entre risos e gracejos ainda estava em minha mente.

 Sua primeira vez num motel e não tinha nada de romântico... Grande noite, Geysa... Grande noite...

 Passando pela porta nos deparamos com um quarto enorme de pé direito um tanto quanto alto. As paredes eram brancas com alguns detalhes em preto e a iluminação era de um tom quente bastante aconchegante. Havia um elegante divã escarlate em um canto, abaixo de quadros com pinturas com estilo cubista inspiradas no kamasutra, provavelmente. Uma cama redonda gigantesca ficava no centro do quarto, com lençóis brancos e mais travesseiros do que eu jamais vi. Uma hidromassagem também fazia parte do cômodo e inúmeros frascos estavam dispostos em uma prateleira. Haviam toalhas, algemas e outros acessórios pendurados de maneira muito organizada. Além disso, em um cantinho do quarto uma mesa e duas cadeiras ornamentavam o ambiente, próximas a um frigobar que facilmente passaria despercebido. A única porta além da de entrada dava para um banheiro de ladrilhos brancos.

 Nada de néon e cores berrantes. Apesar das pinturas e dos acessórios da parede, o quarto parecia extremamente aconchegante, nada muito sensual.

 Enquanto eu observava cada detalhe e absorver a novidade de toda aquela situação, Noah se agachava em frente ao frigobar.

 - O que você quer beber? - perguntou sem olhar pra mim.
 - Tem suco de maracujá? - perguntei sentando-me na cadeira.
 - Hum... - ele deu uma risada baixa, quando fora a última vez que eu ouvi esse som? - Acho que vamos ter que deixar um feedback pedindo.
 - Faz sentido... Quem vem pra um lugar desses tomar suco... - pensei em voz alta.

 Noah pegou uma garrafa de coquetel de maracujá e deu de ombros como quem diz "é o que tem". Ele sabia exatamente onde ficava cada coisa no quarto, muita experiência, imaginei. 

 - Se quiser tomar um banho de banheira eu vou pro carro - disse após alguns minutos de silêncio antes de beber dar mais um gole.
 - Ok, você também.
 - Ta tudo bem?

 Seus olhos estavam fixos em meu rosto, ainda com uma expressão distante, porém menos fria do que de costume. Eu queria dizer tantas coisas, mas ao mesmo tempo queria ouvir outras tantas. 

 - Sendo bem sincera, eu não faço a mínima ideia - acariciei minhas têmporas e fechei meus olhos.
 - Vai ficar tudo bem, não se preocupe - ele murmurou.
 - Qual é o plano? - perguntei após respirar fundo.
 - Não tem plano algum... Pelo menos agora - ele respondeu brincando com os próprios dedos.
 - Como assim não tem plano algum, Urrea? - questionei sobressaltada.
 - Não tem, eu apenas precisava sair dali e não poderia te deixar pra trás.
 - Muito gentil da sua parte.
 - Não foi por gentileza - Noah grunhiu entredentes após me encarar. - Apenas necessidade.

 E lá estava o Noah que eu conhecia. 

 - Noah... - sussurrei. - Achei que você...
 - Não quero saber o que você achou porque seja lá o que for, achou errado - o desprezo estava de volta em seu semblante.

 Ele levantou, pegou uma toalha e foi ao banheiro.

 É claro que ele tinha feito todo aquele teatro de boa pessoa por alguns momentos para me trazer até ali. Eu era o álibi dele e ele era o meu. Conveniências, apenas isso. Ouvi o som do chuveiro ligado e fechei novamente os olhos. Cenas desconexas tomavam meu pensamento: o início da festa, a garrafa holográfica girando, a loira do banheiro, Krystian... Ah eu daria tudo para que ele tivesse entrado naquele quarto ao invés do maldito Urrea. Não seria nada mal estar em um lugar como esse com ele, que provavelmente estaria tirando varias fotos estilosas com as pinturas obscenas. Na verdade, se Noah tivesse subido comigo ao quarto, nada disso teria acontecido. Se ele não tivesse tomado o lugar de Sabina... Bem, eu estaria extremamente feliz agora.  

 A garrafa em minha frente agora estava completamente vazia. Levantei-me, um pouquinho cambaleante, peguei um roupão e sentei-me na beirada da hidromassagem, observando os frascos. Geradores de espuma, sabonetes, fragrâncias afrodisíacas, tudo muito bem pensado. Eu precisava distrair minha cabeça para não enlouquecer e o álcool não havia se decidido se ajudaria ou atrapalharia. O chuveiro foi desligado e eu continuei entretida com as embalagens à minha frente. 

 Quando a porta do banheiro se abriu, um aroma delicioso tomou conta de todo o quarto. Um cheiro fresco, que parecia a junção de todos os perfumes mais gostosos que eu já havia sentido em toda a vida. Levantei e fui até a porta do banheiro ansiosa para ficar limpa e sentir mais daquilo, meus olhos estavam fechados e eu completamente concentrada em meu olfato. Um erro que eu poderia atribuir à bebida... pois ao abrir meus olhos deparei-me com a fonte do cheiro sendo encurralada entre mim e a pia do banheiro.

 Eu podia sentir a pele úmida e quente de Noah, ainda que não a tivesse efetivamente tocado. A toalha presa em seu quadril encostava levemente em minhas coxas desnudas pelo comprimento do vestido.  Sua expressão era indecifrável e eu não fazia ideia do que eu mesma estava fazendo, até que ele sorriu.

 Sua mão quente segurou minha cintura com firmeza e, sem que eu sequer notasse, me tornei a encurralada.

A Little DeathOnde histórias criam vida. Descubra agora