Abandonar sua casa, amigos, namorada... Era um saco toda essa situação, mas minha irmã não iria perder a bolsa de estudos em uma das melhores universidades do país.
Ficamos três meses apenas em adaptação no novo bairro, antes das aulas começarem. No segundo mês após nossa mudança, meu namoro chegou ao fim. Aparentemente, a distância não era a melhor amiga de um relacionamento com alguém de memória ruim: ela precisava me ver para sentir. E foi esse o argumento apresentado por ela para acabar com nosso namoro aparentemente perfeito. Eu a amava com todo meu coração, compartilhávamos dos mesmos gostos e objetivos, eu acreditava que seria para sempre.Mas para sempre sempre acaba.
O primeiro dia no colégio novo não havia sido dos piores, os alunos eram bem parecidos com os do meu antigo. Todos os esteriótipos presentes: patricinhas, populares, nerds, etc. Eu não pretendia criar laços afetivos tão cedo, seria uma tortura ter abandonar mais alguém de novo ou, pior ainda, ser abandonado.
Porém não seria tão fácil assim e eu descobri isso logo no primeiro dia.
Uma mistura, um tanto quanto estranha, de todos os esteriótipos foi escolhida para me ajudar a me ajustar. Uma garota extremamente inteligente, óculos redondos e representante de turma. Perfeita para o esteriótipo de nerd, exceto pelo fato de que falava com 99,9% dos alunos, não era nem um pouco tímida e era consideravelmente engraçada.
- Olááá - ela sentou-se na cadeira a minha frente. - Seja muito bem vindo!
- Obrigado - forcei um sorriso.
- Como você já deve saber, meu nome é Geysa. Não tem muito o que fazer por aqui, mas há inúmeros trabalhos para apresentar na próxima semana.
- Uau... Não poderia ter chegado em hora melhor.Ela soltou uma gargalhada engraçada e começou a me explicar um pouco sobre os trabalhos, avisando que eu poderia entrar no grupo dela para que pudesse me auxiliar. Depois das aulas e nos intervalos ela me ajudava com alguns conteúdos novos, principalmente matemática. Lanchamos juntos algumas vezes, mas nunca conversamos além do necessário. Ela era tão extrovertida que me fazia querer falar minha vida toda e fazer piadinhas junto, mas eu não poderia.
Eu gostava da companhia de Gey, embora nunca a tenha chamado assim. Adorava como ela fazia associações malucas para explicar biologia:
- Bom, meu caro Urrea - começou ela, visivelmente animada. - Pra me lembrar de onde ocorrem as etapas da respiração celular é só fazer o seguinte: a glicólise ocorre no citoplasma, que me lembra praia, ciclo de krebs na matriz, que me lembra igreja e cadeia respiratória nas cristas que me lembram montanhas por causa das microvilosidades.
- Certo... - eu a encarava tentando segurar o riso.
- A gente passa um dia tomando sol na praia, depois vai pra matriz pra missa e dorme nas montanhas. Faz todo sentido, não é?
Não fazia sentido algum, mas eu concordava.
Comecei a conversar com alguns outros alunos durante os intervalos, quando Geysa estava com seus amigos. Joshua, mais conhecido como Josh, logo fez com que eu esquecesse da ideia de não fazer amizades. Aquele cara definitivamente seria meu melhor amigo. Certa noite estávamos em uma lanchonete em uma espécie de encontro.
- É um encontro, mas entre amigos, para nos conhecermos melhor - disse ele se esparramando no banco comprido.
- Você quer começar um bromance? - perguntei e fiz uma pose sensual.
- Exatamente, se sua namorada não se importar, obviamente - ele sorriu de lado.
- Namorada? Eu não tenho namorada... Não mais...
- Vocês já terminaram? - ele parecia chocado.
- Há quase seis meses.
Falar sobre aquele assunto me trazia sensações controversas: ao mesmo tempo em que eu não me importava, a ideia de realmente ter acabado me deixava levemente abalado. No entanto, eu me sentia da mesma forma sobre a maioria dos meus quase-relacionamentos que deram errado.
- Vocês já se conheciam antes de você vir pra cá? - Josh parecia confuso.
- Óbvio, por que a surpresa?
- Eu jurava que ela não conseguia guardar segredos! - um sorriso enorme estava em seu rosto - Ela posta e fala sobre quase tudo.
- Segredo? Espera, do que você tá falando?
- De você e da Geysa!
- O quê? Geysa? - senti meu rosto esquentar e o sangue fugir das minhas mãos.
- Óbvio! Todo mundo já comenta sobre vocês dois, dá pra perceber como você olha pra ela - ele riu.
- Eu olho pra ela da mesma forma como olho pra todo mundo... - protestei, tentando soar despreocupado.
- Sim, claro. Com certeza. Exatamente da mesma forma - um sorriso malicioso estava estampado em seu rosto.
- Cara, ela é uma garota legal, mas nada além disso - beberiquei meu refrigerante.
- Então você não acha a franjinha dela bonita?
- Não! Quero dizer, fica muito bem nela, mas...
- E você não acha ela uma... - interrompeu-me.
- Tudo bem, tudo bem, Joshua. Eu acho ela bonita, mas não sinto nada por ela e não pretendo sentir por ninguém. Apenas passamos algum tempo juntos.
- Tem certeza disso? - ele ergueu uma das sobrancelhas.
- Absoluta.
- Que bom, porque ela está vindo na nossa direção.
Agora o sangue fugia do meu rosto e eu conseguia ouvi-la conversando com alguém, cada vez mais perto. Eu estava de costas para a entrada da lanchonete, daria tempo para me recompor.
- Ora ora ora... Parece que a pressão de alguém caiu... - Josh estava claramente se divertindo. - Hey, Gey!
- Oi, Calopsita - ela o cumprimentou e se dirigiu a mim. - Cuidado com as más companhias, Noah.
- Sou uma ótima companhia - ele cruzou os braços. - Se você quer esse gatinho só pra você, saiba que já perdeu.
- Tá bom - ela riu, acenou e foi para o fundo da lanchonete com sua melhor amiga.
Estava usando seu coturno preto de sempre e os cabelos longos estavam presos em um coque frouxo, assim como eu.
- Limpa essa baba, mano - Josh passou o polegar no canto da minha boca.
- Cara... Acho que você está certo - meus olhos estavam vidrados.
- Sim, não é legal sair babando por aí. Você já tá bem velho pra isso.
- Eu tenho que cortar isso pela raiz.
- A raiz da salivação excessiva? Eu conheço um médico muito bom!
- Não, Josh, não estou falando disso.
- Está falando de quê? Me perdi.
- Da raiz disso que tá rolando entre mim e a G, seja o que for. Antes que acabe mal.
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A Little Death
Lãng mạnDançar noite a dentro Uma vodka e uma sprite Um vislumbre de silhuetas Uma noite que nunca se esquecerão Toque-me, sim Eu quero que você me toque lá Faça-me sentir que estou respirando Sentir que sou humano