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O campo que circundava a bela mansão da família Velasques era de fato estupendo, com lindos pomares e jardins, de uma beleza ímpar, que eu nunca tinha visto antes. Um pouco mais a frente, onde uma cerca separava as árvores dos frutos, vi um homem demasiado vivaz capinando com terçado alguns silvados que cresciam timidamente entre as belas plantas. Usava um chapéu típico do bosque e cantarolava feliz, sem perceber a minha presença. Aproximando-me cortesmente para lhe saudar, pisei em um galho seco, chamando sua atenção.

– Bom dia, meu senhor! – cumprimentou-me solenemente.

– Bom dia. – devolvi com um sorriso incomodado pelo o sol.

Só agora podia perceber, quando tirou o chapéu para coçar o topo da cabeça, que não passava de um jovem de vinte e poucos anos.

– Acredito ser o doutor que veio cuidar do menino Velasques, não é isto? – perguntou. Parecia estar a par das noticias da casa. Provavelmente era companheiro de fofocas da criada Morgana.

– Correto. E o senhor quem cuida deste impecável jardim, não é isto?!

Ele sorriu com lisonjeio e advertiu:

– Apenas reparo a sua beleza. Podo os galhos, varro as folhas mortas, rego as suas raízes.

– E canta para elas. Isto é bonito. Você fala a língua das flores, elas se sentem bem com você por perto, veja como elas lhe olham.

– Acho que é o convívio. – sorriu pegando o regador.

– Acredito ser muito íntimo delas. E feliz no que faz.

– Por certo. Mas há outras coisas que me prendem por essas terras. – disse se pondo de pé.

– Há quanto tempo você trabalha no Vale das lembranças? – perguntei-lhe.

– No Vale das Lembranças quinze anos, dezoito, não sei ao certo.

– Muito tempo, não é mesmo?!

– Muito tempo. – sorriu. – Isso sem contar os anos que trabalhei no Velho Bosque.

– Ah! Trabalhas-te também por lá?

– Sim.

– Poderia jurar como ainda cuidas. Pude ver sua beleza ontem quando passei a sua frente, apesar da pouca visão devido o crepúsculo.

– Não. – sorriu novamente. – São coisas de Deus.

– Foi o que a criada Morgana também disse. És um rapaz de sorte. Sua família, seus filhos, filhas, aposto como têm orgulho do seu trabalho.

– Não tenho família. – respondeu taciturno.

– Perdão.

– Não por isso.

– Mas você, assim como estas flores, está na flor da idade. Logo encontra o amor de verdade. – sorri.

Ele me devolveu o sorriso, mas, depois, voltou a ficar taciturno. Só então percebi que o jardineiro guardava no peito um amor não vivido. E aquele amor, que eu pude deduzir com toda a minha ponderação, ainda o aniquilava, amordaçava o grito latente que estampava o forte peitoril, aquilo tudo estava escrito em sua face, qualquer um podia perceber. Eu percebi subitamente.

– Lembro-me como se fosse ontem quando cheguei a estas redondezas. Poucas coisas mudaram, é verdade, mas não como o Vale das Lembranças. Este mudou muito.

– Será prazeroso ouvir a sua história. – disse alojando-me a uma sombra.

– Não é um grande espetáculo, logo lhe advirto. – O jardineiro encostava a sua cabeça a uma bela árvore, como se essa fosse sua melhor amiga. – Éramos os caseiros do Velho Bosque, antiga morada da senhorita Mercedes Velasques.

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