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- Nunca pensei que a madama Mercedes fosse tão impetuosa em sua mocidade. - disse eu depois de sua pausa.

- Oh, não! - acudiu ele. - Mercedes era uma garota tola, mimada, que tinha de tudo ao seu redor. Era compreensível a sua arrogância. O tempo moldou seu caráter, como verá no decorrer da história.

"Mercedes contou ao irmão e ao mais novo amigo quem era o responsável das assombrações no O Vale das Lembranças. Fui desmascarado, então.

Cristóvão e Narciso tinham como o objetivo repreender a minha peraltice. Na saída da aula, Cristóvão disse para Mercedes ir à frente, pois tinha uns assuntos para tratar. Chamou, então, o seu melhor amigo, Narciso, e, avistando-me ali, a esperá-los, perseguiram-me e, ao chegar ao local planejado, Narciso puxou uma afiada espada, mostrando sua intimidade com a esgrima.

- Olha quem encontramos por aqui, Cristóvão... O jardineiro!

- Estamos atrasados, Cristóvão. - argui.

- Olha, ele fala. Eu quero um combate, jardineiro. - disse Narciso fazendo movimentos com a espada.

- Um combate?

- Sim. Cadê sua espada? Ah, que mal pergunto. És um jardineiro. Como terias uma espada?

- Ele tem a sua espada. - disse Cristóvão atirando ao chão um galho de árvore.

- Muito bem. Agora vamos ver se ele sabe manejá-la.

- Eu não quero confusão. - repliquei.

- Mas nós queremos, não é mesmo, Cristóvão?

- Sim. Queremos vingança.

- Vingança? O que fiz para vocês quererem vingança.

- Não se faça de imbecil, jardineiro. - investiu Narciso, aproximando-se de mim com a espada mirada ao meu bucho.

- Não sei o que querem de mim! Mas é melhor deixarem que eu siga o meu caminho!

- Não dite as regras. Pegue sua espada. Ande, jardineiro!

Dizendo isto, Narciso resvalou a sua afiada espada em meu rosto, tirando-me uma pequena lasca. Cristóvão, absorto, recuou, porém não disse nada.

- Deixem-me em paz! - berrei, em súplica.

- Pegue sua espada, jardineiro. Não dificulte as coisas. - continuou Narciso.

- Eu já disse; não vou brigar.

- Será que eu terei que decepar o seu braço? Veja, Cristóvão! Acho que perderás um criado. Um maldito de um criado covarde.

Cristóvão sorriu um sorriso desesperado.

- Tudo bem, meu amigo Narciso. Acho que já o repreendemos o bastante. - disse Cristóvão. - Vamos embora. Ele já aprendeu a lição.

- Não antes de um belo combate. - replicou o maligno.

- Não sei o que eu te fiz. - disse pegando o pedaço de madeira. - Mas já que você quer um combate, você o terá.

Pus-me em posição de luta.

- Pelo o que vejo você nunca segurou uma espada na sua vida. Apenas sacho e regador.

Então parti para cima do infeliz, desferindo golpes inúteis que ele facilmente se esquivava.

- Bom, bom. Continue assim. - dizia ele. - Agora é a minha vez.

O seu ataque foi veloz e eficaz. A minha espada de pau se partira em dois e fiquei apenas com um cotoco nas mãos.

- E agora?! - disse o pequeno maquiavélico. - Eu poderia cravar essa espada em seu peito, afinal ninguém iria sentir a sua falta. Talvez o derrotado do seu tio sentisse, em um dia quando o mato começasse a crescer no jardim de Cristóvão. É tão frustrante ser desprezível, não é mesmo? Eu juro que pensei que você iria me fazer ao menos suar. Mas nem isso. Não se preocupe! Levante-se! Ponha-se de pé. Não vou matar você. Sei que bons criados, hoje em dia, estão escassos. Mercedes adora o seu jardim, e isto salvou você.

Ao me levantar, Narciso me desferiu um violento soco acertando em cheio o meu nariz. Fortemente, levantei-me mais uma vez, porém levei mais dois socos, um no estômago e outro em minha face. O soco no estômago me fez perder a respiração. Tentei em debalde respirar. Pensei em Mercedes e na hipótese da minha morte. Eu não podia morrer. A minha recuperação foi meio que espiritual, pois relutei muito para não partir. Sentindo muita dor e chorando baixo, fui para a O Vale das Lembranças lavar minhas vestes. Quando cheguei ao Velho Bosque, fui surpreendido pelo o meu tio Anselmo que avistara uma imagem rústica e penosa. Muito questionado por ele, limitei-me a dizer o que era. Ele me pegou pela orelha e me colocou para tomar um banho no poço. Edite cuidou de meus ferimentos, mas não perguntou mais nada.

Cristóvão, ao me ver, ficou pálido, temendo que eu o entregasse ao pai. Mas não fiz. Cristóvão só me odiaria ainda mais e não era isso que eu queria.

No dia seguinte, Mercedes foi até ao jardim pegar uma rosa e me viu naquele estado lamentável. Eu estava lá, com uma aparência ainda muito ferida e muito triste que nem me dera ao prazer de cuidar do jardim. Mercedes se aproximou de mim e franzindo a tez, perguntou:

- O que aconteceu com você?

- Não foi nada.

Mercedes apanhou algumas rosas e, depois, como quem não quer nada, perguntou-me novamente a procedência daqueles ferimentos. Então lhe disse ser resultado de uma queda que tomei de uma árvore.

- Bom - disse ela chutando o vento com o pé direito - preciso ir. Acho que no fundo você mereceu.

Minha cabeça ferveu. Ela sabia de tudo".

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