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– Aconteceu que quem mais sofria com a arrogância e mau humor de Mercedes foi a pobre Edite. – continuava meu locutor. – Eu sentia tanta pena daquela pobre alma que queria estar no lugar dela, fazendo os seus afazeres. Queria lhe ver descansar, ou, pelo menos, sentar-se um pouco e respirar.

"Edite não parava, era praticamente o dia todo lavando, passando e cozinhando. Nosso patrão, em um domingo de cordialidade, convidou-nos a almoçar junto de sua família. Juro para você, eu não sei o que se passou em sua cabeça! Será que imaginava sermos uma família? Será que nos via como isto? Não sei lhe dizer.

Aconteceu que a Madama Resende não gostou nada da cordialidade do nosso patrão. E, para falar a verdade, meu tio Anselmo também não, afinal não tínhamos etiqueta para estar em uma mesa fina como aquela. Mas, como não podíamos recusar tal pedido, principalmente vindo daquele honrado homem, aceitamos cordialmente.

Mas acontece que Mercedes se sentiu incomodada conosco repartindo a mesma mesa, inclusive mais que a própria mãe que não era de tão rude. Então a mocinha de levantou, pediu licença e foi se acomodar em um balcão onde se armazenava os talheres e recipientes. Seu pai, percebendo a arrogância da filha, ordenou para que ela voltasse para a mesa e se juntasse à gente. Mas a menina não o obedeceu e então provocou a ira do pai.

– Volte para a mesa, Mercedes. – ordenou. Mas a menina continuava com a cara fechada. – Ande, Mercedes. Levante-se, pegue seu prato e venha se juntar conosco.

– Não, pai. Respeito muito o senhor, oh, bem sabes disto. Mas me recuso impetuosamente a me sentar com os criados.

Estupefato com a fala da filha, o senhor Orlando se pôs de pé e arguiu, com aquela voz retumbante:

– Como assim, Mercedes! Quando lhe ensinei isto, tratar os outros com desigualdade?

– Desigualdade? Isto não é desigualdade, papai. É higiene.

O patrão Orlando, decepcionado com a atitude de Mercedes, pediu para que esta deixasse o seu prato em cima do lavatório e que fosse para o seu quarto.

– O quê, papai? O senhor me deixará com fome por causa desta gente?

– Agora já chega, Mercedes! – gritou o senhor Orlando com uma fúria que eu ainda não tinha visto. – Suba para o seu quarto e pense na perversidade que você fez hoje!

– Mas, meu pai, – dizia a mocinha, retraindo os lábios. Senti tanta pena dela que me levantei, mas o senhor Orlando ordenou com os olhos para que eu me sentasse. – eu não fiz nada. Diga-me o que fiz! – continuou ela.

– Suba, Mercedes!

A menina subiu as escadas batendo o pé em cada degrau e gritava, desvairadamente: "malditos, malditos, malditos!".

Era difícil descrever a feição do senhor Orlando. Era um misto de vergonha e ódio pelo ato da filha.

Foi a partir de então que Mercedes começou a nos maltratar ainda mais. Como a pequena Edite tinha os cabelos mais lindos que já vi na vida, Mercedes morria de ciúme, inveja e insatisfação. Então, sempre quando a menina passava ao seu lado, Mercedes puxava o seu cabelo ferozmente, tirando punhados de fios e jogando no lixo. Edite nada dizia, e não chorava de dor, nem mesmo contava ao senhor Orlando Resende a fúria da filha. Mas à noite, eu ouvia Edite chorando no seu quarto. Eu a ficava imaginando em frente ao espelho, penteando os seus belos cabelos que combinavam com a pele morena.

– Eu não sei – disse Mercedes, certo dia, cercando a pequena Edite enquanto esta lavava os pratos. – como Deus pode dar belos cabelos a uma pessoa tão desprovida de beleza e, ainda por cima, aleijada.

Edite baixava a cabeça, sentida.

– Não se preocupe, Edite, um dia isto vai passar. – eu dizia acariciando seus cabelos lhe confortando".

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