– As brincadeiras, então, acabaram. – continuava Sael riscando a terra com um galho de árvore. Por que teve que ser assim? Pude ler o que dizia. – Mercedes vinha agora apenas algumas vezes tirar rosas do jardim e colocá-las dentro do caderno. Feito isto, se retirava. Comecei a ficar taciturno pelos cantos da casa. Nossa amizade se desvanecia e agora minha vida voltaria como era antes; de tristeza.
"Numa magnifica tarde, eu acabei meu trabalho, muito feliz, pois o tempo estava favorável e as flores brotavam felizes. Avistei, então, um casal de jovens visivelmente apaixonados um pelo o outro. As mãos atadas uma nas outras, como se nenhuma força as desatassem, e a alegria estampada em seus rostos resumia a felicidade em uma única palavra: amor.
A felicidade é deveras rude. Ela proclama por alguém para sermos felizes. Sozinhos, estamos incompletos e fingimos nossa felicidade. Eu, que vinha na direção daquele casal, aproximava-me cada vez mais, e o que antes era oculto, se revelou. O jovem casal era a minha amada Mercedes e o cruel Narciso. Senti meu coração me corroer, tão voraz como um câncer, e, ao me aproximar dos dois, tive uma reação que nem mesmo eu esperava; corri entre deles, quebrando os laços daquelas mãos, pestanejando minha face.
Mercedes estranhou o meu comportamento e se despediu de Narciso, então veio atrás de mim. Ela sabia onde me encontrar. A menina viu algumas folhas caindo de cima da árvore. Hesitou olhar para cima. Deu uma volta ao redor da árvore e sentiu o silêncio. De repente eu surgi gritando:
– O quê você quer aqui? Vá embora e me deixe em paz!
– Por que está agindo assim? Eu não entendi por que fez aquilo. Juro que não.
– Não quero conversar.
Mercedes meu viu, bem lá do alto, onde eu ainda não havia chegado, com o corpo para fora ameaçando me jogar.
– Vá embora daqui ou se não me jogo. Eu juro por tudo o que é mais sagrado neste mundo como eu me jogo.
– O que houve, menino de Deus? Por favor. Saia daí, pelo o amor de Deus. Você pode cair e provavelmente morrerá.
– Se eu morrer o problema será meu. Aliás, não só meu, mas seu também. Você sofrerá de remorso a sua vida inteira. Você me faz sofrer demais, Mercedes, será que não percebe! Como você pôde segurar a mão daquele infeliz?
– O quê?!Eu não permito que você fale assim do Narciso, Sael! Respeite-o, pois ele é de uma família decente. Vamos, desça daí agora!
– Afasta-se, Mercedes! Isso não é brincadeira, eu vou me jogar mesmo – disse convicto. Agora eu me segurava com apenas uma mão em um galho fraco e pedia aos prantos para que Mercedes se afastasse. Eu estava mesmo disposto a me jogar. – Eu pensei que você gostasse de mim, mas pensei errado. – disse então, revelando o meu amor por aquela bambina. Minha face ficou vermelha. Mas, eu tinha que dizer aquilo. Percebi que Mercedes também ficou indiferente. E continuou:
– Se você realmente gosta de mim, como diz que gosta, desça daí.
A altura não me levaria à morte, mas me traria danos. Lá estava eu, prestes a cair daquele pequeno abismo. Mercedes se desesperou e gritava estridentemente para que eu parasse com aquela loucura. Tentou se aproximar, mas novamente foi contida pela a minha ameaça. Lá embaixo, no entanto, para a minha surpresa, surgiu o senhor Orlando acompanhado de um homem dizendo para que eu parasse com a minha loucura e que voltasse para a superfície, imediatamente.
O homem acompanhado do senhor Orlando era o meu tio Anselmo que carregava na face um semblante de reprovação pela a minha atitude infantil.
Eu, que tinha um respeito louvável aos dois, desci da árvore e, sem olhar para Mercedes, baixei a cabeça.
– Oh, Sael! Que fazias pendurado feito um bicho preguiça no galho desta árvore? – disse o senhor Orlando.
Eu me mantive calado, e meu tio Anselmo começou:
– Eu não sei, senhor Orlando, juro que eu não sei o que se passa na cabeça deste menino. Por em risco não só a sua vida, mas como da pequena Mercedes. Estou muito desapontado com você, Sael. E com vergonha. É por isso que, com muito pesar, e eu vejo isto como uma forma de admoestação, aliás, ja vinha trazendo esta ideia a tempo, vou internar você em um colégio interno durante um determinado período de tempo.
– Mas, Anselmo! Não precisa disto. Podemos educá-lo corretamente. Não estou tão chateado assim para chegar a este extremo. – interviu o senhor Orlando.
– Desculpe o contriar, senhor Orlando. Mas será pelo o bem do menino. O estimado padre Roberto conseguiu uma vaga no colégio interno de seu irmão, tenho certeza que fará muito bem a ele.
– Novamente lhe interrompo, não precisa de tanto. Mercedes está lhe ajudando bastante, o garoto já está até lendo.
– Não posso de forma alguma negar o bem que a dama está fazendo. Mas ele precisa de aprovações, documentações. Coisas que lhe darão respaldo. Ele sabe que não faço isto pelo o seu mal, ele sabem muito bem disto.
Eu corei na proposta do meu tio Anselmo. Mercedes, que estava próxima, escutando absolutamente tudo aquilo, lastimava-se, pois sabia que um internato requeria renúncia de muitas coisas.
– Não adianta reivindicar, Sael, e nem me peça para eu reconsiderar. Está decidido, e tudo que me pedires a contragosto da minha decisão será em vão. – disse severamente o meu tio.
O senhor Orlando nada podia dizer. Estava triste, eu sabia disto, pois me amava e amava o jeito que eu tratava o seu jardim. Mas sabia, tinha certeza daquilo, que o internato seria o melhor para mim.
Supliquei o perdão de meu tio Anselmo, mas este estava decidido e não voltaria atrás.
– Sinto muito, Sael. – lamentou-se Mercedes.
Dizendo isso, Mercedes foi para a sua casa, e eu fiquei com uma profunda depressão que ficava estampada em minha face".
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O Vale das Lembranças
SpiritualEm uma breve, porém pertinente visita de Dr. Viegas ao Vale das Lembranças, fizera reacender ao jovem médico o respeito e a admiração do amor ao seu semelhante. E não, não um simples amor, esquecido, levado pelo tempo. Mas um amor contumaz. Que cai...