6

27 27 0
                                    

– Então você sentia uma espécie de paixão platônica pela a sua patroa? – perguntei ao jardineiro, depois de dar uma pequena pausa.

– Paixão platônica? Se você quiser chamar assim.

– Ainda a ama? – perguntei sem titubear. Ele ficou calado. Pensativo.

– Prosseguirei com a história. Se o senhor me conceber. – disse então.

– Com toda certeza. – argui.

– Mercedes sempre foi esta bela moça que o senhor mesmo teve o privilégio de conhecer. Uma garota dedicada. Acho que cuida do filho James Velasques da mesma forma que cuidava de suas bonecas. Claro, o sentimento é diferente.

"Nos primeiros dias de aula, como o senhor Orlando e a madama Resende estavam ocupados, eu estava incumbido de levá-los à escola. E este foi meu cargo, a partir de então. O senhor Orlando confiava em mim e tinha medo das crianças seguirem outros rumos, instigadas por iniquos.

Cristóvão não demorou muito para fazer amizades, logo conheceu um garoto que veio a ser então o seu melhor amigo. Seu nome era Narciso. Era um garoto bastante elevado para a sua pouca idade. Suas roupas eram bem macias e os cabelos sempre bem penteados, além do perfume demasiado agradável que sempre usava. Era muito vaidoso para os seus treze anos. Sua amizade com Cristóvão foi instantânea. Pareciam até mesmo irmãos.

Cristóvão fazia questão de dizer a todos que eu era o seu criado, e de fato eu era. Eu não podia deixar de servi-lo. Então eu o servia. Sempre vinham as palavras de meu tio Anselmo que agora eles eram os nossos patrões. Cristóvão sempre pedia para que eu levasse os seus materiais e que subisse nas árvores e pegasse frutas para ele e os seus amigos. Eu adorava subir nas árvores. Então eu fazia aquilo com gosto.

Assim ele apresentou o seu amigo Narciso a Mercedes que, logo, logo se tornaram amigos inseparáveis. Sempre na saída da aula Narciso os levava para conhecerem melhor a Cidade Grande. Eu seguia atrás, carregando os seus materiais, sem dizer nada, pois pediam para que eu ficasse com o bico calado. Narciso os levou para conhecerem o Igarapé, as lindas fazendas, o fabuloso museu com suas várias espécies de animais, vivos e empalhados, o parque de diversões da praça, e o cemitério, lugar que apavorou as duas crianças. Eu poderia tê-los levado a conhecer estes lugares, aposto como Mercedes nutriria algo a mais por mim. Mas acontece que se o senhor Orlando descobrisse, me perderia a fé.

– O cemitério não é nada. Espera só vocês conhecem a casa mal assombrada. – disse Narciso, num tom desafiador.

– E onde fica essa tal "casa mal assombrada?" – questionou Mercedes, sem medo nos olhos.

– Como assim? Vocês são vizinhos dela, ora. Não conhecem o Vale das Lembranças?

– Ah! Meu pai já me falou sobre ela. É só uma casa abandonada. Não tem nada de assombrada por lá. – disse Mercedes, desinteressada.

– Ah, pois ela é sim. Várias pessoas que visitaram o lugar relataram terem ouvido vozes de pessoas pedindo ajuda. O possível chefe da casa, que morrera há muitos anos, também é muito visto por lá. Boatos dizem que é ele quem abre as portas e é ele quem nos acompanha pela a casa inteira durante a visita.

Mercedes pediu para que o amigo os levassem até lá, e Narciso assentiu, mas com um pé atrás.

A história da casa, contada pormenorizadamente por Narciso, havia atemorizado Cristóvão que relutou alegando ter um dever a fazer, fato negado pela irmã, abruptamente. Enquanto Cristóvão sentia um pavor indescritível, Mercedes estava fascinada pelo o que o amigo contava. Adorava antigos casarões. Estava tão excitada em conhecer que nem pensava na hipótese de entrar de fato num lugar mal assombrado.

O Vale das Lembranças Onde histórias criam vida. Descubra agora