16

11 4 0
                                    

Não pude de forma algums duvidar da honestidade de Sael, o jardineiro. Ali estava, o seu nome e o da minha senhora Mercedes. Ele de fato dizia a verdade, mas muitas coisas continuavam me intrigando. Será que a madama teria um caso com este? O próprio negou, mas, quem sabe? Sei bem que tal imoralidade chocaria a cidade proxima. O que não iriam dizer da abastada família Velasques! A madama Mercedes traindo o esposo com o jardineiro.

– Eu acho que nós devemos encerrar o assunto por aqui, Sael. Já não me apraz tudo isto. Resolvi ficar mais uns dois dias no Vale apenas para estar seguro de que o menino James fique bem. Não quero mais lhe importunar em seu trabalho.

– O senhor não importuna, doutor Viegas. Eu só quero que o senhor não pense mal de mim, muito menos da senhorita Mercedes. Ela tem a sua vida de casada e ama, como bem vejo, sua família. Eu, como já lhe disse milhares de vezes, sou apenas o jardineiro, e só estou lhe contando uma história. Apenas uma lembrança de algo que ficou no passado. E eu gostaria muito que ficasse para ouvir o final da história.

– O final eu já sei, Sael. É este aqui. O presente. E, com todo respeito, não se trata apenas de uma lembrança, Sael, você está visivelmente apaixonado pela senhora Mercedes.

Sael sorriu. Não um sorriso debochador, mas singelo.

– Como está a senhorita Mercedes?

– Está melhor. Dormiu bastante e acordou muito disposta, com outra fisionomia. Apraz, deveras.

– Sim, ela é bela, não é? – disse o insolente jardineiro. Mas, muito embora, não trazia maldade no olhar.

– Não posso de forma alguma lhe contrariar, mas posso pedir mais respeito à senhorita?

– Sim. Desculpe-me o atrevimento. É que todas as manhãs, quando contemplo este jardim, lembro-me dela. É difícil, caro senhor Viegas. Este jardim é o puro reflexo da senhorita Mercedes.

– Reflexo que você tem que tirar da  cabeça.

Ele sorriu novamente.

– Como se tudo fosse tão simples, senhor Viegas. Eu queria tanto concluir minha historia a você. Quem sabe assim podia me compreender. Saber o que acontece aqui dentro de mim.

O mancebo trazia uma expressão tão sofrida, tão real. Então, convenceu-me a ficar para que pudesse terminar a historia que, mais uma vez digo, caro leitor, interessava-me.

– Eu ficarei para que termine sua história. Mas, se te faltar o respeito com a madama Mercedes, serei forçado a te acertar o queixo.

– Ora! – sorriu o danado. – Não seria para tanto, senhor Viegas.

– Termine a história, Sael.

– Assim irei terminar, doutor Viegas.

"No meu segundo dia, de volta ao Velho Bosque, no momento em que minhas lágrimas regavam as flores preferidas de Mercedes, me surpreendi com a própria, com um livro na mão me desejando Bom dia.

– Bom dia! – retribuí lívido.

– Você, como sempre, cuidando bem do nosso jardim, Sael.

– Sempre. – argui com os olhos luminosos.

Mercedes sorriu, abaixou-se para absorver a fragrância de uma rosa, e disse:

– Estávamos com muita saudade de você.

Em frenesi, fiquei. Meu coração dançava com minh'alma.

– Eu também estava com muita saudade de todos vocês. – quis dizer em especial por ela. Mas freei as palavras.

– Você não escreveu. Esperei cartas suas.

Compungido, meu coração soltava as mãos de minh'alma. Realmente não escrevi nenhuma carta à minha amada. Não podia dar como desculpa o desprovimento da escrita. Oh, não. A própria havia me ensinado. Na verdade não quis ser um imoral, como disse antes, escrevendo cartas a uma garota da classe de Mercedes. Meu estimado barão Resende me reprovaria, bem como sua esposa, se interviessem a escrita. Certo que não seriam cartas comprometedoras, mas não queria ser um importuno, jamais.

– Não queria ser inconveniente. – respondi a ela.

– Você não seria um inconveniente! De onde tirou isto?

– Não sei, eu só deduzi. Ademais, Narciso não podia gostar. – eu disse, trazendo de volta algo que ficara tão distante.

Mercedes fez um gesto negativo, reprovando mais uma vez minha desculpa, e continuou:

– Não escrevemos apenas para nossos amados e amadas. Escrevemos também para nossos amigos, para nossos irmãos, pessoas queridas. Tínhamos esta aproximação, por isso esperei suas cartas.

– Eu fui realmente um ignorante, Mercedes. Mas fique sabendo: eu pensei em você todos os santos dias durante estes sete anos que fiquei sem lhe ver.

Mercedes ficou encabulada, assim como eu. Parecíamos duas maçãs do amor isoladas num tabuleiro. Não conseguimos mais dizer uma palavra sequer. Minutos depois, Mercedes olhou o tempo, dizendo:

– Preciso ir à faculdade.

– Tudo bem. – eu disse com a feição sofrida.

– Que tal nos encontrarmos mais tarde no Vale das Lembranças?

A felicidade novamente invadia meu peito.

– Como nos velhos tempos? – disse sorrindo.

– Sim. Como nos velhos tempos. – ela sorriu de volta.

O Vale das Lembranças Onde histórias criam vida. Descubra agora