"Assim retornei à Cidade Grande, e pouca coisa havia mudado por ali.
– Tem família por aqui, garoto? – perguntou-me o condutor da carruagem.
– Tenho sim, amigo. Cresci aqui e é por aqui que vou me criar.
A praça continuara a mesma, as casas quase sem reformas. A arborização estava bem podada e a cidade brilhava divinamente, pois a festa natalina estava nos seus dias de véspera.
– Aqui estamos, garoto. – disse o motorista subindo ao Velho Bosque.
Agradeci-lhe efusivamente pagando-o o prometido. Rodeei O Velho Bosque me recordando de tudo o que vivi em minha infância. Meu coração me levava a direção de Mercedes. "Como será que ela está?", pensava. Fiquei ali em frente à mansão, mas não tive coragem de bater, eu não era tão íntimo assim. Mas, ah, como eu queria bater e perguntar se todos estavam bem. O senhor Orlando, minha amada Mercedes, e até mesmo Cristóvão e a senhora Verônica. Sentia saudades de todos.
Então fui à nossa casinha, me esgueirando para que ninguém me visse. Estava ansioso para ver como estavam meu tio Anselmo e Edite. Encontrei Edite sentada em frente à porta, cosendo um tecido. Quando ela me viu, veio correndo em minha direção.
– Sael! – disse me apertando forte. Suas unhas cravavam minha pele.
– Edite! Que saudade! Como estão as coisas? Onde está o tio Anselmo?
O aperto dos seus braços foram me afrouxando como se uma tristeza demasiada dolorosa lhe acometesse. Então começou a chorar, convulsivamente.
– O que houve, Edite? – perguntei aflito.
Edite por ora não me respondeu. Só depois de se restabelecer foi que disse:
– Ele se foi, Sael. A tuberculose o levou.
Uma pontada, como de uma flecha envenenada, perfurou o meu coração. Choramos sem dizer nada. Ficamos abraçados ali, por quase dez minutos.
– Como está à família Resende? – perguntei por fim.
– Estão todos bem. – ela disse limpando a face.
– Vamos ter que ser muito fortes agora, Edite. – disse-lhe. Eu vim para ficar, Edite. Eu vim para lhe ajudar com as coisas.
– Oh! – ela me abraçou agora mais forte. – Como eu senti sua falta.
– Seremos como antigamente, mas agora sem o nosso tio.
– Oh, Sael! Estou tão feliz que tenha voltado. Confesso que esperei este tempo todo sentada aqui, costurando e vendo você voltar um dia para o nosso lugarzinho. Está vendo como tudo está quase morto por aqui, principalmente o jardim? É por sua falta, Sael. Mas que bom que chegaste, e que bom que ficará aqui me fazendo companhia.
– Você não imagina a falta que tive de tudo isto aqui, Edite. Sonhava dia e noite, voltando para os braços do Velho Bosque. Mas e os Resendes, como estão?
– Estão todos bem, graças a Deus.
– Irei-lhes avisar que voltei, tomara que me aceitem de volta.
– É claro que lhe aceitarão, Sael. Também não tinha um dia que o senhor Orlando não falasse de você.
– É sério?
– Sim, claro.
– E Mercedes?
– Mercedes está bem. Uma bela manceba. Esbelta, Mais fina, com os cabelos mais longos.
Meu coração palpitava em meu peito.
– Está bem, Edite. Vou me apresentar a eles.
Então bati a porta da mansão dos Resendes, para recepcioná-los, para dizer que eu estava de volta para cuidar do jardim. O senhor Orlando, ao me ver, não segurou sua emoção, e me abraçou como um pai abraça o filho. Complacentemente, abriu as suas portas para mim. Disse que eu era bem vindo à sua casa. Sorri. Era muito bom ser aceito por pessoas tão bem quistas. A senhora Verônica me apertou cordialmente a mão, levemente emocionada, e me trouxe uma deliciosa fatia de bolo. Parecia mais humilde e sorridente.
– Onde está Mercedes e Cristóvão? – perguntei.
– Estão para chegar da aula. – disse o senhor Orlando. – E os seus estudos, como foram, meu jovenzinho?
– Foi muito bom, senhor Orlando. Aprendi tanta coisa.
– Eu sabia. Agora você pode conseguir um bom emprego em qualquer lugar.
– Senhor Orlando. – disse-lhe fitando a face. – quero muito continuar trabalhando com o senhor no jardim.
– No jardim? Mas, meu jovem, você aprendeu tanta coisa. Por que continuar cuidando de jardim?
– É o que eu gosto de fazer.
– Mas você pode ser tanta coisa, meu filho. Alguém mais grande.
– Me sinto um rei cuidando dos jardins. – disse sorrindo. – Como eu lhe disse, é o que amo fazer. Sei que o senhor nos paga bem. Será uma honra se o senhor me permitir.
– Como posso dizer não? Seu tio Anselmo ficaria triste, pois antes de morrer, só falava do seu nome, e que você seria um grande homem nesta vida.
– E sou, senhor Orlando. Graças a ele. E estou no meio de pessoas maravilhosas. Sou um fortunato.
A madame Verônica sorriu, foi quando a porta se abriu e eu vi o ser mais lindo da terra passar por ela. Impossível descrevê-la. Ela estava mais linda. Seus cabelos estavam mais loiros e cacheados, seus cílios como a de uma princesa, o olhar tímido, corpo esguio, lábios aveludados, vestia um vestido, feito à mão, longo, e que ia até os seus tornozelos levemente torneados. Ela estava uma mulher. Uma linda mulher. Ao me ver, Mercedes, assim como eu, não teve reação. Senti que queria me abraçar, ah, e eu queria tanto aquilo. Mas ficamos ali, nos olhando, nos analisando, então apertamos as mãos, como bons amigos. Cristóvão, de barba rala e olhar triufante, me olhou dos pés a cabeça e disse:
– Ora, como você mudou.
– Pouca coisa. – respondi sorrindo.
– Não. Muita coisa. – ele disse.
Mercedes, que eu bem percebia que queria dizer algo, proferiu:
– Então, Sael... veio nos fazer uma visita? Cristóvão tem razão, você está bastante mudado.
– E está mesmo. – completou a senhora Veronica.
– Bom, obrigado. Mas, respondendo sua pergunta, Mercedes, na verdade eu voltei para trabalhar no jardim.
– No nosso jardim? – ela disse enlevada.
– Sim. No jardim de vocês.
– Mas e os estudos? Sua formação?
– Sim, sim. Obtive bastante conhecimento, mas trabalhar com vocês, ficar ao lado de Edite, isto pra mim é o mais importante.
– Eu bem que o tentei dissuadir, filha, mas o garoto insiste em sua teimosia.
Sorri com a fala do senhor Orlando.
– Bom, então seja bem vindo de volta. – disse a bambina.
– Obrigado. – agradeci.
Então os irmãos subiram às escadas, deixando-me a sóis com seus pais.
– Então você quer mesmo continuar cuidando do jardim, Sael?
– Mais que tudo nesta vida, senhor Orlando. – disse-lhe desta vez firmemente, para que não me duvidasse mais.
– Que assim seja. – respondeu-me, sorrindo."
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O Vale das Lembranças
EspiritualEm uma breve, porém pertinente visita de Dr. Viegas ao Vale das Lembranças, fizera reacender ao jovem médico o respeito e a admiração do amor ao seu semelhante. E não, não um simples amor, esquecido, levado pelo tempo. Mas um amor contumaz. Que cai...