03 - Enterre seus Mortos

988 149 17
                                    

A oeste a morte / Contra quem vivo/ Do sul cativo/ O este é meu norte

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A oeste a morte / Contra quem vivo/ Do sul cativo/ O este é meu norte.
Outros que contem/ Passo por passo: Eu morro ontem.

- Vinicius de Moraes

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Lynn

Sei que está aí em algum lugar. Lembre das suas escolhas, Kian. Lembre-se que ninguém tem o poder de te controlar, escolha viver e resistir. - Ele apertava meu pescoço com força o suficiente para eu sentir meu sangue esquentar. Sabia que meu rosto deveria estar vermelho por conta do ar que não entrava em meus pulmões.

Senti que seus dedos se afrouxaram um pouco e reconheci um leve brilho dourado naqueles olhos que eram familiares para mim. Mas de uma hora para outra, Kian havia virado sombras e desapareceu bem na minha frente, como se nunca tivesse existido.

Eu o havia perdido, e não fazia ideia de onde poderia encontrá-lo. Gritei pelo ódio que eu sentia por ter deixado isso acontecer a ele, gritei pela dor da perda de muitos naquele mar, gritei pela tristeza da guerra e também pelo fardo que assumi.

Pude observar as feras sumindo no ar, uma a uma, assim como Kian sumiu. Os aquáticos de repente também haviam sido silenciados e o mar chacoalhava menos que antes.

Callum também havia desaparecido e direcionei minhas asas para o antigo navio de Hazor, onde Kira havia a pouco causado uma explosão superficial no convés com chamas azuis.

- EIDOLOM, PARE!

Foi a única coisa que consegui ouvir antes dela também desaparecer e dar lugar a um grande silêncio em Além do Mar.

- Lynn, os sobreviventes - Disse Lou, apontando para os outros navios espalhados pelo mar, cheio de rebeldes e piratas que viram seus adversários sumirem através da leve bruma que se estabelecia entre nós.

Não era hora de cair e me desfazer em dor, era hora de levar meus amigos para casa.

Nós chegamos até aquele ponto do mar através das feras de Kian e minha magia na água. Agora tínhamos navios suficientes para levar todos de volta à praia.

Levantei voo uma última vez e chamei o mar, que me atendeu de bom grado, o leve chacoalhar se transformou em uma correnteza. Guiei os ventos em direção a Ghalan e empurrei com força a magia, que escorria fácil por entre meus dedos.

Os navio começaram a se mexer, sustentei aquele que estava quase em pedaços e os mantive firme. Não haviam conversas lá em baixo, todos choravam a perda de alguém.

Eu poderia trazer os corpos de volta até praia, mas seria doloroso demais ter uma pilha deles para enterrar nas praias. Mas eu perguntaria a todos o que iriam desejar, se despedir de seus entes, ou deixá-los entrar em fluxo com a água até a eternidade.

O sol estava em seu tom mais alaranjado quando consegui avistar Ghalan de longe, e como permanecia no alto, consegui distinguir a morte antes que qualquer um pudesse ver.

Parei a correnteza da água e subi uma onda gigantesca entre os navios e a praia, impedindo que todas as pessoas daqueles navios fossem pegos de surpresa. Ao notarem o que eu havia feito, centenas de olhos tristonhos se voltaram a mim.

Respirei fundo uma, duas ou três vezes. Eu queria vomitar, cair e chorar, mas eu era uma rainha agora, e deveria ser forte para o meu povo. Deveria dar a cara a tapa quando uma derrota acontecesse. E essa era a pior de todas.

- Me escutem todos - elevei minha voz - quando partirmos dessa linha do mar, vocês terão que ser fortes e corajosos. Sei que é demais pedir isso agora depois de uma intensa batalha e de perdas inimagináveis, mas ficaremos neste momento face a face com outra destruição. - Fechei meus olhos e criei coragem - Os lobos de Kian estavam na floresta..

Não precisei continuar para escutar gritos de dor e de perda. Eles tinham entendido. Quando Kira transformou o coração de Kian em sombras, ela também possuiu todas as feras dele, que se tornaram assassinas e mordaz, matando muito dos nossos.

Os lobos e os leões ficaram patrulhando a floresta, contendo as criaturas que espreitam as terras de Ghalam por anos, e não havíamos conseguido achar seu esconderijo ainda.

Senti algumas lágrimas rolarem pelo meu rosto antes de desfazer aquele muro de água e empurrei novamente os navios para a beira do mar. Quanto mais próximos chegávamos, mais nítido ficava os sangues que escorriam pela areia, e vários corpos estatelados no chão.

Apenas a deusa sabia até onde a vista ia com tantas mortes.

Não havia botes para todos chegarem até a areia, então tive que puxar o mar até a onde os navios ficaram ancorados. Muito dos rebeldes desceram correndo para conferir cada corpo que encontravam. Outros choravam em cima dos cadáveres, e tinha alguns que simplesmente tentavam se afastar daquela cena.

Quando o último deles desceu do navio e chegou até a praia, pude soltar as águas para que voltassem a fluir normalmente.

A exaustão estava assumindo meu corpo de forma catastrófica, mas eu ainda tinha que lutar pelo meu povo, e apenas por eles eu continuaria. Esperei até que todos conseguissem se despedir, até que cada um dos sobreviventes fossem consolados para que eu pudesse tocar a terra.

E então, com gentileza, pedi para que o solo enterrasse aqueles corpos, e lentamente eles foram sugados, até não restarem mais nenhum.

- Terão mais pelo caminho, Lynn - disse Arth. Ele colocou sua mão calorosamente em meus ombros, tentando aliviar o peso da culpa por todas aquelas mortes.

- Não quero que eles vejam nem mais um cadáver - falei, tentando não desabar.

- Vai levar dias para chegarmos ao castelo sem a ajuda das feras, já percorremos esse caminho antes.

Coloquei as mãos na cabeça e rezei. Rezei para o mar, para terra e para o ar. Não conseguia pensar no fogo, não sem lembrar das cinzas e da destruição. Eu nem ao menos sabia o que estava pedindo, mas senti uma magia poderosa se aproximar daquela praia, enquanto as estrelas brilhavam em sua forma mais magnífica.

Um burburinho se iniciou por todos os cantos da praia e pude notar como o luar estava mais intenso.

- Ayla - sussurrei - Deusa da Lua. Por favor nos ajude.

E então uma grande ventania começou, mas ela não era assustadora, trazia uma paz temporariamente inexplicável, e como mágica ou milagre, todos nós fomos transportados para a porta do castelo, que parecia intacto, a não ser por um filete de sangue que escorria pelos degraus dourados.

Em minha frente se erguia a minha maior criação, feita da natureza e de ruínas antigas. O lugar mais seguro de Ghalan para todos descansarem.

E bem a porta, como um anjo protetor, com uma espada na mão e a outra segurando a entrada do castelo, jazia Vizeu.

---------------------------------------------------------------------------------------------------------

Não se esqueçam de votar e deixar um comentário sobre o que acharam do capítulo

---------------------------------------------------------------------------------------------------------

Canção da Guerra

Todos os direitos reservados | Wattpad.com - 2020 | Camilla Braga

Canção da Guerra - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora