Coincidência

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As ruas da pacata Salém estava movimentada. Carroças passando pelas estradas como em um trânsito irregular. Pequenas barracas se amontoaram ao redor das ruas, vendendo diversos tipos de produtos. Alguns animais como cabras, cavalos e até bois estavam nas barracas cujos donos queriam vendê-los por alguns trocados. Gerard ainda não tinha visto essa parte da cidade, já que passava todo o resto do seu tempo lendo alguns livros dentro da sua biblioteca particular de sua casa. Desde que seus pais morreram, Gerard herdou uma fortuna suficiente para viver por um bom tempo. Apesar disso, nunca se importou em ficar horas e horas trancados na pequena salinha para leitura. Isso o distraía antes de todas as noites de lua cheia, se transformar em uma criatura demoníaca. Aos olhos da sociedade, ele era um homem considerado culto, cavalheiro e perfeito para se casar. Se soubessem de seu segredo, seria imediatamente jogado na fogueira em plena praça pública. Se até às mulheres e até crianças que na sua maioria, foram mortas por serem acusadas de praticar bruxarias e possessões, imagina se descobrissem que ele se transformava no que era mais próximo do que poderia ser o próprio diabo. Gerard sentia calafrios todas as vezes que pensava nessa possibilidade.

O sol de meio dia estava terrivelmente quente e o vestido longo rosado que usava só piorava ainda mais. Já a sua ferida não estava mais tão dolorida. Era a única vantagem que tinha dessa maldição, a de regeneração precoce. Se fosse pelo menos só está condição, iria levar uma vida completamente normal.

– Ainda consegue aguentar a dor até a gente chegar na minha casa?– Perguntou a senhora, de canto. Gerard olhou para ela. Constance era um pouco mais baixa, porém robusta. Sua pele negra se destacavam e as rugas ao redor de seus olhos a deixavam com um aspecto cansado. Mas mantinha um singelo sorriso no rosto, o que fez com que Gerard sorrisse e assentiu em resposta. – Olha... Eu moro em uma casinha que fica perto da casa de minha senhora. Eu trabalho lá como empregada. Acho que ela não vai se importar se eu o levar. Conhece a família Iero?

Gerard se lembrou. Hoje mesmo teria uma reunião com o Sr. Anthony Iero para tratar de negócios, já que ele era praticamente o dono de quase todos os comércios de Salém, desde lojas de roupas, cartolas, até grandes siderúrgicas que estavam construindo naquela região. A família Iero era considerada poderosa depois da família do prefeito. Mas as más línguas também diziam que era uma das mais peculiares. De qualquer forma, Gerard teria de ir a essa reunião.

– Sim... Conheço... – Apenas respondeu, sem muito ânimo. Caminharam em silêncio durante mais dez minutos até chegarem a uma mansão, que ficava um pouco mais afastada da cidade. A mansão era uma das coisas mais lindas que Gerard havia visto, era de quatro andares, com decoração imperial. A frente tinha uma espécie de jardim cercadas de flores de todos os tipos, com alguns bancos de concreto e no centro, uma jazida com uma estátua média de um anjo cinzento que contrastava com as cores alegres do jardim. Constance alertou para que se sentasse no banco para que ela pudesse entrar pelas portas dos fundos para entregar as roupas da sua senhora para uma outra empregada para guardar. Após ver a senhora desaparecendo depois que deu a volta por trás da grande  casa, deixando Gerard sozinho.

Gerard olhou para a mansão. Realmente essa família deveria ser poderosa demais. Contou o total de janelas. Eram dezesseis. Dentre essas janelas, Gerard viu algo. Parecia uma silhueta de uma pessoa. A pessoa provavelmente o deve ter visto. Tentou forçar o olhar, mas os vidros daquela janela que ficava no último andar o impedia de ver mais algo. Mas não gostava da sensação de ser observado.

Fora acordado de seus pensamentos ao ouvir a voz de Constance, o convidando a vir com ela. Gerard se levantou e, antes de prosseguir, deu mais uma olhada aquela janela. A pessoa já não estava mais lá. Gerard suspirou e continuou acompanhando a senhora até chegar em um casebre que ficava nos fundos da mansão. Do contrário do casarão, a casa de Constance era simples, como apenas dois andares. A senhora falava que preferiu construir uma casinha só para ela e sua família do que ficar naquela mansão, que segundo ela, lhe davam calafrios. Logo que chegaram até a casa, Constance abriu a porta e convidou Gerard a entrar. A decoração da casa era um pouco rústica, típica das maioria das construções da época. 

– Lucas! Celine! Vem até aqui agora!– a senhora gritou. Alguns segundos depois, desceram das escadas dois jovens. O garoto que se chamava Lucas, parecia ter doze anos, enquanto Celine, estava na flor da idade, aparentando ter quinze anos, mantinha os cabelos presos por um pano. Aparentava estar desconfiada.

– Mamãe, porque ele tá com seu vestido?– perguntou o garoto, curioso.

– Isso não é hora para brincadeiras, Lucas, ande, pegue algumas roupas no baú do seu irmão mais velho e traga para mim, e quanto a você, Celine, ponha mais um prato na mesa e me traga também uma vasilha com água, porque este moço está ferido.

– Papai não vai gostar nem um pouco disso...– pela primeira vez, a moça se manifestou.

– E você acha que seu pai também gostou de você ter quase morrido ontem por ter passeado no bosque sozinha? E pior, depois de quase ter morrido por aquela criatura? – Gerard estremeceu. Algumas partes da lembrança da noite anterior vieram a tona. Odiava quando perdia o controle. Odiava quando acabava tirando a vida de alguém quando se transformava naquilo. Só de pensar, seu estômago começava a enjoar e quase teve uma tontura. Percebendo o estado do homem, a senhora agiu.– Rápido, ele vai desmaiar!

Gerard não teve tempo de protestar. Uma tontura muito forte o atingiu e não conseguia ficar de pé. Logo foi ao chão.

                            ***

– Nunca vi uma mulher tão desprovida de beleza em toda a minha existência...– Michael olhou pela janela a estranha figura do que aparentava ser uma mulher meio robusta sentada em um dos bancos do jardim.

– O que você está dizendo?– Thomas estava distraído lendo um livro que pegara da biblioteca particular de seu pai. 

– Tem uma mulher bem ali, sentada em um banco... E nossa, tem até bigode. Veja você mesmo.

Thomas se levantou da poltrona na qual estava sentado e foi em direção a janela, mais precisamente, na direção em que o amigo lhe estava indicando, curioso. De fato, havia uma pessoa no jardim, mas logo Thomas deu uma risada.

– Tolo, aquilo não é uma mulher, nem de longe. É um homem. Você deveria trocar esses óculos.– debochou, mas logo sua atenção voltou para a figura do lado de fora.– Mas o que diabos aquele homem está de vestido? 

– Eu não faço a mínima ideia. Aposto que deve ser um dos empregados daqui. E provavelmente, deveria estar bêbado.

– Olha, a Constance está o levando para detrás da casa! E ele está olhando para cá– Thomas sentiu um leve rubor envolver a sua face assim que aquele homem peculiar lançou o olhar para a janela em que estava. Se afastou rapidamente de lá.

– O que será que ela vai...

A conversa fora interrompida por batidas na porta. Thomas mandou que entrasse.

– Thomas! Finalmente te achei! – A mulher que trajava um longo vestido de cores escuras adentrou o escritório. – Filho, você sabe que seu pai não iria gostar nem um pouco de você estar aqui no escritório dele!– Protestou Linda, sua mãe. Ao contrário de Anthony Iero, Linda era uma mulher compreensível e a única que tentava entender certas atitudes do seu filho mais novo. Afinal, Thomas acabara de completar 21 outonos, e segundo seu pai, estaria na hora de tomar os negócios da família, apesar de Thomas ser totalmente contra.– Estava conversando com mais alguém aqui?– O jovem direcionou o olhar para a janela.

– Sim, mamãe...

– Você deveria parar com isso.

– Mas ele está ali. Eu posso ver. – Thomas apontou para a janela, Michael o olhava curioso.

A mulher virou o olhar para onde seu filho estava apontando e suspirou.– Não importa... Escute, hoje nós receberemos uma visita do seu tio com sua esposa e filha, e ainda vem mais um homem que deve ser um professor que vai trabalhar para seu pai para ajudar sobre assuntos financeiros dos comércios. Espero que se comporte hoje...

– Tudo bem, Sra. Iero. Eu prometo que vou me comportar– Thomas revirou os olhos. A mulher suspirou cansada e logo em seguida saiu do escritório. Thomas olhou novamente para a direção da janela.

– Eu não sei o porquê que ela não consegue te ver, Michael. Eu sinto muito.– O jovem lamentou, Michael apenas assentiu com a cabeça e ajeitou seus óculos de grau.

– Não se preocupe, Thomas. Vamos, temos que escolher uma roupa decente para você neste jantar.

Wolf Blood (Frerard)Onde histórias criam vida. Descubra agora