AMSTERDÃ - por ORIONN ALBUQUERQUE

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Era uma tarde bem fria, por sinal.

Eu não era como os outros que matavam apenas por prazer.

Eu também nunca entendi essa contradição em dizer que os psicopatas não possuem emoções. É claro que eles possuem. Mas, por outro lado, também nunca me vi como um.

Ed Gein, por exemplo, vestia a pele das suas vítimas e guardava parte dos corpos como troféus na sua geladeira. Jeffrey Dahmer era gay e comia seus parceiros depois de matá-los – e comia nos dois sentidos da palavra. Richard Chase aparentemente bebia sangue de crianças em potinhos de iogurte. Alber Fish, por outro lado, comia fezes e dizia que a voz de Deus o mandava matar. Andrei Chikatilo adorava mutilar suas vítimas em pedaços tão pequenos que a perícia não descobriu se eram pedaços de menina ou de menino.

Particularmente, sempre achei isso tudo bastante repugnante. Eu era assim: não era eloquente, nem fanático. Sei que é hipocrisia dizer isso, mas a única coisa que tenho em comum com esses caras é a minha aparência de cidadão exemplar.

Quando era criança não bati com a cabeça, não fui estuprado, não tive um pai alcoólatra, não sofri abusos e nem usei drogas. Nunca tive alucinações, nem vozes dentro da minha cabeça me dizendo o que fazer; não havia nada que justificasse essa minha natureza assassina. Eu era o que era e ninguém tinha culpa por isso.

O Bairro da Luz Vermelha era o melhor lugar do mundo para alguém como eu. Suas ruas eram como um cardápio requintado e seu tom boêmio dava um toque peculiar, belo e vulgar à paisagem.

Escolhia sempre prostitutas e mendigos; não por distúrbios sexuais ou religiosos, mas pelo simples fato de que a sociedade – e a polícia – se importava relativamente menos com esse tipo de gente.

Eu procurava atento, através da janela do carro, a minha próxima vítima, enquanto ouvia no rádio Sweet Dreams are Made of this, numa versão sublime da Emily Browning. Dobrei por uma esquina em frente a um grupo de garotas. Elas fumavam elegantemente. Fazia um baita frio lá fora, mesmo assim vestiam saias bem curtas e blusas bem decotadas.

Diminuí a velocidade e encarei-as. Uma delas me sorriu insinuante e perguntou:

– Welterusten docinho, tá querendo diversão?

Pensei em perguntar o preço, mas então notei que no letreiro, acima da porta do bordel daquela esquina, havia uma câmera. Sempre fui bastante calculista e não seria agora que eu colocaria tudo a perder.

– Muito tentador, senhorita, mas hoje não, obrigado! – respondi.

Ela deu língua e sorriu; eu segui caminho enquanto o sol começava a se pôr, alaranjando o céu.

Dirigi por alguns minutos e já estava quase desistindo. Foi quando a vi, logo depois de passar em frente da réplica do Moulin Rouge.

Ela estava vestindo uma jaqueta preta e usava tanta maquiagem no rosto que mais parecia uma gueixa.

Parei bem devagar, abaixando o vidro do carro.

Os lábios dela tremiam de frio. A alguns metros, um homem me cumprimentou, tocando a aba do chapéu. Logo concluí que era o seu cafetão. Estava bem vestido e era alto e corpulento; aquilo era arriscado, eu sabia, mas pelo menos não havia câmeras.

– Welterusten! – Cumprimentei. – Quer uma carona?

Ela parecia bastante tímida. Olhou para trás, o cafetão assentiu com a cabeça. E fez um sinal. Cento e vinte euros.

Abri a porta do carro para que ela pudesse entrar. Usava botas de cano alto e tinha um perfume cítrico como um limão. Porém, apenas depois dela sentar foi que pude perceber a sua aparência angelical. Ela era linda. Nunca fui de ter preferências como Ed Kemper, por exemplo, que tinha uma queda por colegiais. Mas naquele momento eu sabia que teria que ser ela. 

Dei a partida e segui caminho, observando pelo espelho retrovisor o cafetão anotar a placa do meu carro num bloco de papel.

– Merda! – Pensei. – Mais um carro que vai parar no fundo do Reno.

Ela continuava em silêncio. Seus cabelos ruivos cobriam a maior parte do rosto maquiado. Ela olhava para as mãos, apreensiva. Certamente era uma iniciante naquele ramo.

– Como é seu nome? – perguntei

– Louise, senhor.

– Por favor, me chame apenas de Clark.

Ela assentiu, mas não me olhou. Eu sabia que Louise não era o nome verdadeiro dela, mas Clark também não era o meu.

– Quantos anos você tem Louise?

– Achtzehn.

Era mentira. Era óbvio que ela não tinha dezoito anos.

Entrei por uma ruazinha estreita, um beco deserto próximo a uma ponte do delta e parei o carro. Ali era seguro. Deveria ser rápido e substancial como foi nas outras dezessete vezes antes dela.

O meu método era simples. Estrangular com as minhas próprias mãos e ver o sopro de vida se esvair lentamente do corpo frágil e indefeso. Jogaria o corpo no Reno ou no Mosa, nunca desejei a fama e reconhecimento como fez o assassino do zodíaco, apesar de admirar o fato de nunca terem-no descoberto. As luvas já estavam prontas; eu não deixaria minhas digitais. Meu coração batia rápido e cheio de adrenalina.

Virei para olhá-la e ela fez o mesmo. Algo estava diferente ali, eu sentia, não sabia dizer o que era.

Olhei-a nos olhos, acariciei a sua bochecha com o dorso da mão. Continuei fitando-a bem no fundo daqueles olhos.

Nietzsche certa vez disse: "se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você". Eu estava prestes a atacar, pronto para saciar o meu desejo monstruoso. Foi então que senti a ponta do metal frio rasgando a minha camisa, meu tórax e o meu pulmão.

Olhei para baixo e havia uma faca encravada no meu peito. Minha camisa encharcava de sangue, lentamente, fluindo como uma mancha suave.

Ela abriu um sorriso Giocondo e a imagem satisfeita do seu rosto não deixava dúvidas: eu sorri enquanto a minha vista escurecia para o infinito... Eu sabia: ela era igual a mim. 

ORIONN ALBUQUERQUE...

 ...sempre foi um menino inteligente e cativante. Autodidata, ele toca instrumentos como violão, guitarra e teclado. Fala Inglês e Japonês e adora filosofia. Seu Passatempo é editar músicas no computador, além de escrever.

Com alguns contos resgatados por sua tia, ele aceitou que poderia sim ser considerado também um escritor. Embora repita sempre que não sabe escrever.

Seus contos atraentes e impactantes estão sendo armazenado em uma coletânea, chamada Tempo – A Contagem, elaborada carinhosamente por Iris Albuquerque.

 Contato com o autor: orionnalbuquerque@gmail.com 

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