Sereias são demônios extremamente mortais que habitam nas profundezas do mar. Atraindo suas vítimas com o seu belo canto, como se isso realmente fosse necessário; quem não se lançaria ao mar ao contemplar um ser de tamanha beleza? Sua pele é branca como o marfim, seus cabelos são longos e viçosos e seus olhos de cores vivas, vindas do mar. Seus rostos, irresistivelmente atraentes, com lábios cheios e vermelhos que escondem suas presas que usam para beber o sangue de suas vítimas, na hora do ataque. Elas são as verdadeiras sanguessugas do mar. Criaturas demoníacas, ávidas por sangue, com o qual podem manter-se vivas nas frias profundezas oceânicas.
Esta é a noite em que nossa ilha será atormentada por esses demônios da água. A lua está cheia e a maré alta. Sedentas, elas nos espreitam do fundo do mar, esperando o momento certo para atacar. Todos os moradores da ilha de Capri estão trancados em suas casas. Petrificados pelo medo refugiam-se em seus leitos, abraçados aos seus filhos, numa tentativa inútil de protegê-los.
Logo elas nadarão até a praia. Lindas. Suas cabeças molhadas com cabelos longos, cheios de algas, irão se erguer da água espumosa; logo surgirá o belo tronco nu com seios redondos e pesados. Elas deslizarão até a areia, movimentando suas caudas escamosas que, ao se aproximarem do limite da praia, darão lugar a lindas pernas; erguer-se-ão do mar e caminharão sobre a terra.
Antes que possamos ouvi-las caminhando pelas nossas ruas e entre as nossas casas, tapamos nossos ouvidos com cera, em uma tentativa desesperada de não ouvirmos o seu canto maldito que nos levará às suas presas afiadas.
Sentado na minha cama, imagino ouvir seus passos próximos da minha janela e a luz da lua penetra pelas frestas das tábuas. Esses demônios femininos caçam nus pelas ruas, praças e costas da ilha, enquanto cantam. É tentador demais para não olhar. Enquanto espero, sou tomado por um forte desejo sexual. Imagino coisas. Prazeres jamais sentidos... Com um movimento rápido, aperto um pouco mais a cera em meu ouvido. É o seu canto. O canto da sereia que aos poucos me hipnotiza.
A caçada segue até o amanhecer; logo será possível saber se foram bem sucedidas. Ao nascer do sol, todos nós nos reuniremos na praça central e contaremos os mortos. Elas sempre conseguem ao menos uma presa. Pode ser um amigo, um vizinho ou um parente: já esperamos por isso. Toda noite de lua cheia é a mesma coisa. Esse é o nosso segredo. Enfim, todos possuem um. Nossa ilha paradisíaca tem os seus próprios demônios.
Esses seres fantásticos existem em todos os lugares do mundo, sob diversas formas. Sei da existência das Amazonas no Brasil: índias selvagens que vivem nas florestas tropicais. Assim como as nossas sereias, elas se alimentam de sangue humano, de preferência, de homens. Elas possuem os seus próprios encantos. Das Lâmias na Grécia. Mulheres-serpentes. Belas. Que com artifícios sexuais atraem os jovens ao seu leito para sugar-lhes o sangue. Das Succubus nas terras do oeste, tentando os homens durante o sono e tendo relações sexuais com eles, sugando-lhes o sangue no processo. E das Valquírias das terras geladas do norte: guerreiras montadas em seus cavalos que chegam aos campos de batalha para beberem o sangue dos soldados caídos em combate.
Bill foi a nossa vítima essa noite. Ele não resistiu. Depois de lamentarmos a sua perda e enterrarmos o seu corpo sem sangue, voltamos à nossa vida normal. Trabalho com meu pai em nosso barco de pesca, que é nossa única fonte de renda. Não temos muito dinheiro e o pouco que ganhamos mal dá para pagar as contas. Enquanto arrumo a rede de pesca dentro do barco, acabo encontrando um exemplar de A Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen enrolado na rede.
Provavelmente uma criança se desfez do livro, jogando-o no mar e amaldiçoando essas criaturas sanguinárias. A pequena sereia do conto de fadas em nada se parece com as nossas malditas sereias.
Enfim, eu ainda não me apresentei. Meu nome é Jacob, mas podem me chamar de Jack; é como as pessoas da minha ilha me chamam. Acabei de completar dezoito anos na semana passada. Agora sou um homem e também sou responsável pela segurança da minha família. Meu pai está velho e minha mãe grávida do terceiro filho. Meu irmão mais novo chama-se Filipe, em homenagem ao meu pai. E a minha irmãzinha que está para nascer se chamará Margareth, em homenagem a minha mãe. O meu nome foi em homenagem ao meu avô que morreu há alguns anos. Minha família é assim, sempre mantendo a tradição; os nomes de nossos antepassados nunca morrem, sempre são passados de geração a geração.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noites Sombrias
TerrorMedo, arrepios, náuseas, ódio ou até mesmo risos. Um bom conto de terror causa sensações e sentimentos diversos no leitor. Uma história trabalhada na medida certa sempre mexe com as pessoas. Para o bem ou para o mal. Quantas vezes, ao lermos uma na...