NUNCA MAIS ENGANADO - por EDDY KHAOS

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"Quando eu me convenço de que o universo é natural, que todos os fantasmas e deuses são mitos, entra no meu cérebro, na minha alma, em cada gota do meu sangue, a sensação, o sentimento, a alegria da liberdade. As paredes das minhas prisões desmoronam e caem. A masmorra se enche de luz e todas as barras enferrujam e caem."                                                                                                                         (Robert Ingersoll)

Em uma sala escura, sentado sobre um velho sofá de estampa florida, um homem observa, com um sorriso maléfico em sua face, enquanto fuma um cigarro fedorento e toma seguidos goles de uma garrafa de Vodca barata, um apresentador de um telejornal local que informava em Platão extraordinário:

“Mais um crime hediondo foi registrado na capital paulista. Uma mulher, ainda não identificada, foi encontrada, no fim da tarde de ontem (28/06/2012), esquartejada e em estado de putrefação em uma pensão caindo aos pedaços, próximo a um posto da Polícia Militar, no centro velho de São Paulo. As primeiras informações dão conta de que o corpo, totalmente despido, estava distribuído em três sacos plásticos. Outro fato estarrecedor apontado por peritos do Instituto Médico Legal (IML) é de que o corpo apresentava uma incisão na região do tórax. Após análise, os peritos concluíram que o coração da vítima havia sido arrancado. As causas da morte ainda estão sendo investigadas pela polícia. A perícia ainda não divulgou o laudo relatando se a mulher teria sido assassinada antes de ser esquartejada ou se a mesma teria sido retalhada ainda com vida. A polícia também não tem informações que levem ao assassino e nem se mais de uma pessoa teria participado da execução. Agentes do Deplan, dos Institutos de Criminalística (IC) e do Instituto Médico Legal (IML) estiveram no local para os procedimentos cabíveis”.

O homem deu uma gargalhada grotesca assim que o apresentador terminou o noticiário. Jogou a garrafa de Vodca que estava consumindo para o canto, acendeu outro cigarro e saiu batendo a porta; resmungava algo a plenos pulmões. No interior do apartamento, um cachorro latiu com dificuldade, como se tivesse engasgado, mas logo parou.

Uma estranha figura morava num edifício decrépito, que mais lembrava um cortiço, no centro da cidade de São Paulo. Subia os dez andares todos os dias com uma disposição indescritível para um homem de sua idade e de seu estado físico. Fumava um maço de cigarro por dia, invariavelmente; possuía uma rotina de vida metódica, sem alterações nenhuma, praticamente ia de casa para trabalho e do trabalho para casa.

Seu nome era Marcelino. Ou, pelo menos, era esse o nome pelo qual alguns poucos o chamavam em sua vizinhança. Morava com seu cãozinho, um velho pequinês, já sem os pelos e quase cego, que atendia pelo nome de Asmodeus.

O apartamento de quarto, cozinha e banheiro, que mais parecia uma horrenda masmorra, de um antigo filme medieval, fedia a urina. Nas paredes de pintura falha e desgastada, podia-se observar uma mancha espessa de gordura amarelada. A velha figura decrépita morava apenas com seu companheiro canino, que amenizava sua solidão. Não possuía amigo algum, achava que todos poderiam querer lhe passar a perna, como sempre aconteceu no decorrer de sua vil adolescência.

Marcelino era um velho amargurado, comia os dejetos que encontrava em sua geladeira, quase sempre já criando fungos. Seu apartamento era pouco iluminado; para ser mais preciso: a pouca iluminação do local vinha de um velho aparelho de TV comprada há mais de trinta anos. Sobre as janelas do apartamento, pesadas cortinas que um dia já haviam sido vermelhas, mas que agora, com a sujeira que as encobriam, já não era possível definir sua real cor, escondiam aquele palácio de podridão em que sua vida estava imersa. Não tinha carro, há muito tempo perdera a habilitação por dirigir embriagado e causar um acidente de trânsito que ceifou a vida de um jovem casal de namorados. Passou alguns anos preso em uma penitenciária no interior de São Paulo, mas acabou recebendo a liberdade condicional por bom comportamento.

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