9 - |Why is he..?|

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É segunda de manhã e Gabe me ignorou o final de semana inteiro desde aquela ligação.

Alcanço o celular no bolso traseiro, com certa dificuldade, tendo que encaixar minhas mãos entre uma pessoa e outra, e checo as mensagens, como tenho feito, incessantemente, durante os últimos dias mas, ainda, nenhuma resposta. Solto um suspiro e o guardo, prostrando minha mão, novamente, sobre o balaustre daquele ônibus cheio.

Era angustiante estar sem notícias dele por tanto tempo, e, por mais que cansasse de me perguntar, não conseguia pensar em um motivo plausível pra mudança de comportamento repentina de Gabe. Eu diria que era solitário também, de certa forma, pois não fiz muitos amigos desde que me mudei pra Londres.

Nem no Texas, na verdade. Vivíamos na parte rural, eu, meu irmão Charles, e minha mãe, até que ele viesse pra cá, em busca de uma nova oportunidade, e eu fizesse o mesmo, quase 20 anos depois, quando me tornei velha o suficiente.

Até os 5 anos de idade, posso dizer que fui criada por Charles. Minha mãe, além de ter sido assolada por um período de depressão pós-parto, rendeu-se ao alcoolismo e mal parava em casa. Meu irmão, na época com 15 anos, foi obrigado a tomar em suas mãos uma responsabilidade maior do que pode aguentar, teve de abdicar de parte de sua adolescência.

Concomitantemente, ao meu crescimento, ele pensava em modos de sair daquela situação, quase sempre via-se envolto com trabalhos informais pela cidade pequena onde morávamos. Um dia, logo após completar 20 anos, ele, simplesmente, se foi e só voltamos a saber de Chales 10 anos depois: estava em Londres, casado, e tinha uma filha de meses chamada Lily.

Quando recebi aquele cartão postal, estampado com uma bela vista noturna do London Eye, quis rasgá-lo em mil pedaços. Para mim, aquele simples papel carregava muito mais do que uma simples mensagem depois de tanto tempo. Ao vê-lo, me engasguei com ressentimento e tristeza. Charles tinha uma esposa e uma filha e, durante 10 anos, eu não tinha pai, meu relacionamento com minha mãe era péssimo e meu único pilar, desaparecera por anos.

Meu irmão nem sequer imaginava a quantidade de rumores sobre mim, que eu era obrigada a aguentar diariamente desde a infância. No fim, aprendi aceitá-los, como parte de uma rotina dolorosa. Não valia a pena refrutar, estava sozinha, não tinha forças. O que me movia durante aquele período era apenas a paixão pela escrita e a vontade, cada vez maior, de abandonar aquele lugar. Durante a infância, escrevi vários pequenos contos sobre uma garota que vivia em uma terra diferente, tinha amigos e realizava seu sonho, era determinada. Eu sempre desejei ser aquela garota e, por isso, decidi me tornar ela. Na noite que recebi notícias de meu irmão, sequei minhas lágrimas e decidi que faria de tudo para me tornar ela.

Aquela carta de Charles precedeu várias outras, nunca respondidas. Minha mãe, nem chegou a lê-las, apenas as via chegarem e se acumularem conforme o tempo passava. Eu por outro lado, coletei-as todas, planejando um jeito de ir atrás dele, culpá-lo por ter me deixado a cuidados de uma pessoa que nem sequer ligava pra mim e mostrá-lo que eu não era alguém que ele simplesmente poderia abandonar, provar que eu tinha valor. E assim o fiz, trabalhei de meio período, como meu irmão, juntei dinheiro o suficiente e fugi, pra uma terra diferente, como na minha história. Londres.

Segurando a carta na mão, a mais recente enviada no Natal, conferi o endereço novamente, em frente a porta de Charles. Respirei fundo e levantei o braço, mas antes que batesse na porta, meu irmão abriu-a, com um saco de lixo nas mãos, destraído. Pelo que me lembrava, poderia jurar que era um homem diferente, mas, ao que ele levantou o rosto para me encarar, eu soube. Aquele olhos azuis que exalavam conforto, que eram família, casa, me encararam confusos. Ele sorriu.

"Desculpe? Posso ajudar?" e eu percebi na hora que tinha perdido totalmente o sotaque.

Congelei por um momento. Me preparei muito pra odiá-lo, jogar muitas coisas em sua cara e culpá-lo por todas minhas mazelas. Me preparei por anos por aquele momento mas, ao vê-lo, meu corpo não me obedeceu: eu comecei a chorar e o abracei, querendo um pouco do conforto de seus olhos, voltando a ser um garotinha de 5 anos em seus braços.

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