OITO

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Não, não, não, não, não!

Isso não podia estar acontecendo... Isso não pode estar acontecendo!

Estava presa, amarrada e fraca. Com a garganta ardendo, me esforcei para cuspir mais uma vez o sangue que enchia minha boca, antes de voltar a gritar para que o homem sem rosto parasse qualquer coisa que estivesse fazendo.

Gael estava deitado no canto esquerdo daquela sala, coberto de sangue e com parte das pernas e braços queimados. Ainda estava vivo, disso tinha certeza por conta dos gemidos dolorosos que vinham da sua direção. Desviei o olhar para o corpo completamente dormente, pendurado pelos punhos acima de sua cabeça, a alguns centímetros do chão.

Peter estava com um enorme corte no braço direito e pingava sangue de uma parte dos seus cabelos. Ele não tinha expressão alguma no rosto, a não ser por seus olhos estarem fechados, inconscientemente, e o rosto estar pálido, quase sem vida.

Passei os olhos ao meu redor, procurando por algo afiado para cortar as cordas que me mantinham presa, e a única coisa que encontrei foi um prego a alguns centímetros. Encarei o homem, ocupado demais preparando um maçarico para reparar em mim. Estiquei a perna o máximo que pude e aproximei o prego. Assim que consegui tê-lo em mãos, tentei raspar as cordas o mais rápido sem chamar atenção, mas fracassei.

O pânico tomou conta quando senti um tremor percorrendo meu corpo, percebendo a presença do homem à minha frente, com os olhos vermelhos e algo pútrido escorrendo pela boca. Gritei quando ele me arrastou pela sala segurando meu cabelo e me jogou no chão, quase no centro da sala. Lágrimas gordas começaram a descer descontroladamente por meu rosto.

Fracassei...

Não sentia medo, mas a sensação de ter fracassado... De não conseguir proteger pessoas próximas a mim, aquilo esmagou algo em meu peito. Eu morreria, e não teria ninguém para me ajudar, para ouvir meus gritos, ou até mesmo levar Gael e Peter para longe, seguros. Morreria sozinha, em meu desespero e angústia.

Meu coração disparou quando Peter enfim abriu os olhos e me encarou. Pude sentir toda dor percorrendo seu corpo naquele momento com apenas um olhar. Foi quando senti algo estilhaçando, partindo, desintegrando dentro de mim.

Levantei os olhos para o homem ao meu lado. Sua feição antes inexistente, aos poucos, foi tomando traços conhecidos. Pessoas agora mortas, todos mortos... Pelas minhas mãos, pelo cano de uma arma, pela lâmina de um punhal ou até mesmo atropelados, sufocados. O corpo assumiu tantos rostos sequencialmente. Todos com olhares afiados e mortais... me encarando como se fosse sua presa. Não estava tão longe de ser mesmo.

Tateei pelo chão, me afastando daquela aberração que me assombrava. Todos os rostos conhecidos, contorcidos. Poderia citar todos os nomes de quisesse. Aquilo me seguia, os rostos abrindo sorrisos amplos e satisfeitos com meu estado assustado.

- Olhe em volta... Tudo culpa sua. – sussurrou, com uma voz trêmula.

"Tudo culpa sua...".

Em meu desespero para me afastar, bati o ombro em algo, ou melhor, alguém. Encarei Peter, que permanecia com os olhos fixos em mim.

- Tudo culpa sua. – acusou, inexpressivo, frio.

Balancei a cabeça, negando. Meus olhos arderam com as lágrimas quentes. Gael, de alguma forma, levantara de seu canto e agora acompanhava o ritmo daquela coisa, me seguindo enquanto me afastava.

- Isso é sua culpa. Tudo é culpa sua! – neguei, balançando a cabeça bruscamente.

Tapei os ouvidos com todas as vozes. Eram muitas... insuportáveis demais para dar ouvidos. Obriguei-me a negar. Não era culpa minha, não inteiramente minha.

Sou eu ou elesOnde histórias criam vida. Descubra agora