Nós estamos nesse bairro desde que meus pais se divorciaram, na época eu tinha 5 anos, não entendia bem a situação, eu apenas sabia que agora nos moraríamos em uma nova vizinhança. O lugar era bem tranquilo e eu fiz alguns amigos, nós brincávamos juntos todos os dias, estar com eles era meu passatempo favorito. Até o dia em que a casa ao lado ganhou novos vizinhos, foi logo depois do meu aniversário de 16 anos, que eu vi aquela garota pela primeira vez, da janela do meu quarto, ela era maravilhosa, cabelos dourados que desciam em cachos até a cintura, a pele era salpicada de pequenas sardas, que lhe davam um ar fresco, seus olhos eram de um azul tão intenso que eu não consegui parar de encará-los, lembro que ela usava um vestido azul claro, um pouco antiquado se comparado as outras meninas da idade dela, mas se existiam anjos ela seria a representação mais perfeita deles. Ela olhava fixamente para algum ponto distante, parecia triste e ainda assim linda. Eu fiquei tão encantado com a figura dela que não percebi a minha indiscrição olhando a garota pela janela, antes que eu pudesse me esconder, ela me notou, e me deu um sorriso, o mais lindo que eu já vira.
Os dias se seguiram quase normalmente depois desse acontecimento, com exceção da minha nova rotina de espiar pela janela todos os dias, esperando ela aparecer novamente na minha frente. A cada dia que se passava ela parecia mais maravilhosa e apaixonante, sempre que ela me via me oferecia um daqueles sorrisos.
Então um dia, enquanto ela estava na janela, eu tomei coragem peguei o meu caderno e escrevi:
POSSO PEGAR SEU TELEFONE?
Esperei ansiosamente pela resposta que me aguardava, não que eu nutrisse muitas expectativas, eu não era exatamente bonito ou popular. Depois de alguns segundos ela me deu uma resposta:
EU NÃO TENHO TELEFONE.
Eu a encarei curiosamente, e ela deu de ombros. Eu fiquei pensando em uma forma de continuar aquele diálogo, mas quando olhei pra ela novamente ela segurava o caderno novamente:
POSSO IR NA SUA CASA?
Eu engoli em seco, eu nunca tinha recebido uma garota por aqui antes, certamente minha mãe não aprovaria, eu encarei a menina cujo nome eu nem sabia.
SIM
Talvez eu tenha me precipitado um pouco, ou talvez fosse só a vontade de provar pra mim mesmo que ela era real, por que ela era perfeita demais. Ela sorriu pra mim, mas não como das outras vezes, era um sorriso triunfante, como se ela tivesse ganhado alguma coisa, um vento frio soprou pela fresta da janela, que eu nem notei que estava aberta. Eu forcei um pouco e consegui fechá-la. Eu olhei novamente a garota, mas o aspecto dela estava um pouco diferente, a pele rosada, agora pálida, os cachos já não estavam tão perfeitos e os olhos estavam mais cinzentos do que azuis, sua aparência era quase fantasmagórica, por um momento me perguntei se era a mesma pessoa, então ela voltou a sorrir e todas as minhas dúvidas se dissiparam, eu peguei novamente o caderno e escrevi:
QUAL É O SEU NOME?
Naquele momento um arrepio percorreu toda a minha coluna e eu senti como se algo me envolvesse prestes a sussurrar um segredo em meu ouvido, não conseguia me mover. Eu ouvi alguém bater a porta me despertando daquele horror.
-Filho, seus amigos estão lá embaixo.
Eu agradeci aos céus por ela ter chegado no momento certo, me livrando daquela sensação estranha, eu encarei a janela e a garota não estava mais lá. Depois do lanche, meus amigos subiram ao meu quarto e ficamos jogando conversa fora. Eu decidi contar a eles sobre os acontecimentos recentes. Eles se entreolharam.
-O que foi? – Eu indaguei curioso.
-Cara, não tem ninguém morando na casa ao lado.
-Os últimos donos, segundo o que meus pais me disseram, decidiram que ela seria demolida em dois meses.
-Foi lá que a filha deles de 15 anos cometeu suicídio. Eles até tentaram vender mas...
-Ninguém vai querer morar em um lugar assim.
Naquela noite não consegui dormir, os acontecimentos do dia ficavam girando dentro da minha cabeça e eu não conseguia descansar, então me levantei, a luz da lua adentrava suavemente pelo vidro da janela. Eu esperei algum sinal de que ela estava em casa, uma luz acesa, qualquer barulho, mas o lugar parecia envolto em um silêncio infernal.
Então eu a vi, parecia mais perto do que antes, a visão aterradora de antes parecia muito mais real agora, os dentes estavam amarelados e as unhas podres. Eu abri a janela, mas não consegui ver mais nada, frustrado e ao mesmo tempo aliviado eu fechei novamente e ela estava lá, a verdade me apareceu de súbito, ela não estava no casarão ao lado, o que eu via na janela era apenas o seu reflexo, eu me virei devagar, na esperança de que aquilo fosse loucura, mas ela estava lá, seus dedos magros agarraram meu pescoço me forçando a encarar o sorriso que me encantara tantas vezes e que agora era o prelúdio da minha morte.