CAPÍTULO UM - A VISITA

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CAPÍTULO 1

Escondida dentro de um mar de montanhas, existia uma cidadezinha insignificante. Tão desconhecida como outras várias.

Para os desavisados, Campina Bela não tinha nada de especial. Todavia, olhos sensíveis podiam enxergar sua beleza e poesia.

Situada no interior de Minas Gerais, em Campina cada casinha colorida contava sua própria história. A praça central e a Igreja guardavam seus contos – e as ruas de paralelepípedos também sussurravam suas histórias do passado.

Um lugar onde o próprio tempo parava, sentava-se e tomava um café.

Morei em Campina Bela por toda a minha vida, e pouco me aventurei para fora dela nos meus vinte e um anos. Como podem perceber, minha vida não era lá muito animada.

Eu morava sozinha, em uma casinha de fundos. Era uma segunda-feira quando o relógio despertou às sete horas da manhã.

– Que droga – estendi a mão para desligá-lo. – Já entendi.

Por mais que eu acordasse cedo há anos, nunca me acostumaria. Nunca.

Tomei um banho, passei um café e fui me arrumar para o trabalho. O espelho me devolveu uma imagem pouco animadora. Uma garota pálida, cabelos e olhos castanhos claros, sem muito de especial.

Coloquei o uniforme da farmácia e fui trabalhar. Desde os meus dezoito anos, eu trabalhava como caixa da farmácia da dona Cristina – uma senhora idosa e gentil que me deixava morar em um pequeno sobrado anexo à farmácia, pagando um aluguel irrisório.

Antes de mim, a caixa da farmácia era a minha mãe. Entretanto, quando ela morreu de ataque cardíaco três anos atrás, eu tive que me virar. Dona Cristina me contratou para a mesma função – e aqui estava eu, há três anos. Estagnada no mesmo lugar.

Minha vida era bem simplória.

Nunca tive pai, e precisava me sustentar sozinha. Trabalhava de oito às dezessete horas, saía da farmácia e ia para a academia (ou melhor, o que por aqui chamávamos de academia). Era apenas um galpão com alguns aparelhos.

Eu não malhava ou corria em esteiras, se é o que estão pensando... Não tinha tempo para isso.

Nos fundos do lugar, havia um compartimento onde aconteciam aulas de karatê; isso era minha paixão. Aquelas aulas diárias de uma hora eram o que me mantinham respirando. Eu as frequentava há quase seis anos, e estava em vias de adquirir minha faixa preta. Aquela era uma vitória só minha, e apenas eu sabia o quanto significava.

Eu precisava daquele momento só meu, pois era o meu único hobby. Ali, meu corpo podia ser quem realmente era. Naquelas horas, eu despejava toda a minha frustração, raiva e medo do futuro. Medo de ficar presa para sempre aqui, medo de não conseguir me tornar alguém...

Após as aulas, eu voltava para casa (exausta), tomava um banho e começava minha rotina de estudos. A verdade era um tanto vergonhosa: eu estava tentando passar no vestibular de medicina há três anos.

E, sim: eu sei o que vocês devem estar pensando... Quem eu achava que era para tentar ser uma médica?

Eu não era ninguém. Apenas Ana Lívia Villar, uma garotinha do interior, sem dinheiro e sem pais.

Ao saberem do meu sonho, as pessoas pensavam: ela nunca frequentou um cursinho, e ainda precisa trabalhar oito horas por dia. Como ela acha que irá concorrer com todos os filhinhos de papai? Estudando com materiais de segunda mão, sem acesso à internet?

Príncipes PerversosOnde histórias criam vida. Descubra agora