O Vôo da Libertação

10- Aghiel

Não conheço um único ãhmus que tenha entrado na Torrona de Marfim. A cidade de Döstima Alma, construída às margens do Lagossal, era tão sagrada para os hugonalts quanto suas aldeias farlas. Uma dessas aldeias era Inrral, e que nos dias de hoje é uma cidade, destino de viajantes e mercadores. Inrral só é o que é por causa de Ugro Xergowiine, a quem os hugonalts chamam de Gungli. Seus ossos negros descansam numa tumba atrás da cachoeira proibida, e os Quíntuplos de Whelkha nunca haviam entrado nela.

Trecho de Os Azarbïns, de Joneid Drind.

Você ainda não era Veneno de Águia.

Tinha dez anos quando tudo aconteceu, lembra? Foi na fronteira de Huganältibra com Troiafh, no Caminho das Forcas, perto de Tron Biar.

Depois de prestar condolências ao rei de Troiafh, morto em uma guerra civil contra o próprio irmão, o rei e a rainha, os palubhas de Huganältibra, voltaram para casa. Você, sua bisavó e seus irmãos haviam recebido um convite para conhecer as terras onde Ugro Xergowiine, pai de sua mãe Whelkha, havia vivido até o fim da vida. Ele era seu avô, e você não havia conhecido aquele que entre os hugonalts era mais do que respeitado. Lembra quando um exército de quase mil homens, entre os quais haviam cinquenta mamutes, se puseram em marcha, carregando não apenas as bandeiras do deus de uma perna só com cabeça de marfingo rosa, como as de sua Escuderia?

Thaumia Xergowiine chorou quando os hugonalts levantaram as bandeiras roxas com águias negras segurando espadas cruzadas em suas garras. Sua bisavó era a grande responsável por ainda estarem vivos. Desde que Welkha trouxera você e seus irmãos a este mundo naquele campo de batalha, Thaumia se arriscara ao atravessar as Dunas de Ferro para fugir dos Cavaleiros de Diva e sobreviver ao Expurgo das Asas. Por você ela daria a própria vida, como dera para salvar a de Halíssi, mas com o tempo a relação de vocês foi ficando cada vez mais complicada.

Khagro, Thaúgro, Uthaur e Thauwhel, gêmeos idênticos e morenos de cabeças raspadas com olhos castanhos avermelhados iguais a você, haviam montado em filhotes de mamutes pela primeira vez naquele dia. Sua bisavó, que também raspava a cabeça para manter a tradição, usava brincos feitos com penas roxas. No meio do caminho, surgiu uma tempestade.

Os mamutes barriam. Os hugonalts diziam que eles afastavam os espíritos em forma de raios, e vocês tiveram que parar. Lembra do que aconteceu depois?

Um leão gigantesco, com presas que não cabiam em sua mandíbula, atacou o filhote de mamute que Halíssi montava. Era branco com listras negras; seu rugido assustou os filhotes, e todas as crianças que estavam contigo tiveram que lutar para permanecer sobre suas montarias. O chagrat teria matado a princesa se sua bisavó não tivesse aparecido.

Você viu o que poucos naquela noite haviam testemunhado. A mulher que acabara de completar noventa anos saltou do mamute através de um cordão da almofada de sua sela. O mamute pisou no leão, e quando conseguiu escapar, Thaumia já estava sobre ele. A espada de sua bisavó parecia ser o cabo de um chicote invisível, pois todas as vezes que ela deslizava a lâmina pelo ar, o chagrat soltava um gemido como se tivesse sido ferido.

Você sabia o que era aquilo. Sua bisavó usava uma força que não era a do metal para atingir a fera. Chamavam aquela força de Sopro, que apenas os Xergowiines e os guardas de suas asas possuíam.

O chagrat não resistiu e fugiu. Mais tarde, os balberigos responsáveis por caçá-lo o encontraram e o mataram. Thaumia foi escolhida pelo rei Balber e sua esposa Hoxana para ser a princesa dos marfingos até que sua filha tivesse idade para tomá-la. Se sua bisavó não quisesse devolver Coroa dos marfingos, teria que enfrentar a menina que salvara, mas você sabe que isso não aconteceu. Quando Halíssi sangrou pela primeira vez, marchou para o sul e Thaumia não lhe deu batalha.