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Dia 14 - Tema: De Época

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Não vamos esquecer essas coisas
Apenas deixa-las para trás
Esse lugar cheira a nós
Não vamos esquecer esse cheiro
Onde quer que estejamos
Nós choramos bastante, rimos bastante
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Daegu, 1985.

Cortaram meu cabelo na escola, de novo. Vendo pelo lado bom, pra que preciso pagar um barbeiro, não é mesmo?
-- Vamos filho, hoje sua máquina de escrever ficou pronta no conserto.
-- Minha máquina não, mãe. Do pai.
-- Deixe disso Yoongi. Ele deixou a máquina pra você.
-- Não sei porque, eu nem uso.
Ela somente fez uma careta desgostosa pra mim. Eu nem liguei. Vivia dando desgostos a ela mesmo, era inevitável. E ela queria que eu preservasse na memória a imagem do meu pai morto, mas eu simplesmente não conseguia, o rosto dele já desaparecia da minha cabeça e eu só conseguia sentir certo rancor, visto que ele tinha sido de certa maneira egoísta, deixando a mãe e eu sozinhos nesse mundo ridículo de autoritário.
Pegamos a máquina na oficina e tomamos o ônibus de volta pra casa. Ao entrar no veículo meus olhos se reviraram sozinhos. O escroto estava nele. Já não bastava ele ser meu vizinho e ter de vê-lo todos os dias na escola, esse universo era uma bosta mesmo.
-- Olá sunsenin*! Cumprimente seu professor Yoongi.
-- Eu não! Já basta ter que fazer isso na escola.
-- YOONGI!!
-- Tudo bem, senhora...
Um lugar ficou vago no ônibus.
-- Pode sentar, sunsenin. -- Minha mãe cedeu o lugar pra ele e eu fiquei puto!
-- Não! O lugar é seu, mãe. -- O empurrei com o ombro impedindo-o de se sentar e segurei os ombros da minha mãe obrigando-a a ocupar o lugar.
-- Eu não faço questão, senhora. Pode sentar.
Finalmente, depois de uma eternidade, chegamos no ponto de casa. Puxei minha mãe pelo braço, enquanto ela terminava de cumprimentar o escroto. Aquele homem não merecia qualquer tipo de educação de quem quer que seja.

****

Não bastasse o fiasco de encontro às cegas, ainda tinha que encontrar aquele projetinho de peste na volta pra casa. Já não se faziam mais mulheres e alunos como antigamente. Eles achavam que tinham algum direito! Ugh!
-- Ridículos!
-- Falando sozinho de novo Namjoon?
Olhei para meu amigo de longa data, Kim Seokjin, que jogava em um carrinho de mão alguns livros velhos. Além de ser um dos guardas escolares, ele também trabalhava na única livraria do bairro. Eu havia dito pra ele estudar para ser um professor como eu, mas ele sempre me disse que não levava jeito. Como se eu levasse! Mas pelo menos, além do salário ser melhor e eu não precisar trabalhar em mais de um emprego como ele, eu ainda conseguia um bônus dos pais daqueles pestes, toda vez que eles aprontavam algo eram mais envelopes de dinheiro. E eles se metiam em confusão demais, para minha sorte.
-- Chegou alguma coisa nova? -- Perguntei, ignorando a pergunta dele.
-- Estão na pilha na entrada da loja, ainda não consegui arrumar, preciso abrir espaço pra eles ainda.
-- Tomara que tenha alguma coisa além daqueles panfletos chatos falando do regime. Parece que a gente não pode ter um pouco de diversão nesse país!
-- E não pode mesmo! -- Jin riu. -- Eu ainda não tive tempo nem de folhear o que chegou, então não posso te ajudar nisso.
Me abaixei e olhei pra pilha de livros, um de capa vermelha chamou minha atenção.
-- O affair da esposa do General? -- Parecia o nome de um romance barato, porém era melhor que a maior parte dos livros que chegavam uma vez por mês naquela livraria esquecida por Deus. Passei a folhea-lo.

Apesar de termos nos conhecido no trem, uma forte conexão nos ligara e apesar de meu marido ser seu superior e ele somente um soldado subordinado, ele continuou sorrindo para mim, mesmo com meu marido ao lado.

Só aquele trecho me fez ficar curioso sobre como acabaria a história de amor entre um soldado e a mulher de um general. Fechei o livro correndo e, deixando um nota de dinheiro no balcão da livraria, fui correndo pra casa, acenando brevemente a Jin na saída.

Projeto You Wrong, Me RightWhere stories live. Discover now