O Q U E N Ó S T E M O S É O S U F I C I E N T E

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Não sabia o que fazer depois daquele beijo, e suspeitava que Aaron também não, porque quando o segundo ato terminou tudo que ele me indicou a seguir era que precisávamos voltar para a mansão, como se lá fossemos nos lembrar quem éramos naquela situação, como se tivesse sido um erro. Como se eu fosse. Não que seja novidade, quando eu não fui? 

É ridículo como eu vinha pensando em nós dois como outra coisa por todos esses dias, desde o minuto que falei para ele que queria alguém que vivesse por mim e vi em seus olhos essa vontade, considerei que pela primeira vez na vida alguém estivesse disposto a gostar da minha existência, mas é obvio que não, eu era a garota que não conseguia falar com as pessoas, que armava para se proteger, tão longe daquela que ele já teve em seus braços, normal, sem problemas de se relacionar, sem vínculos perigosos, como eu pude ser tão tola ao supor que ele me via com outros olhos? Não, não tinha como porque enxerguei arrependimento em seus olhos também quando ele me soltou. Talvez tenha sido só um impulso, ele parecia assustado achando que Charlezie conseguiu me machucar, ele era traumatizado e precisava salvar pessoas, ele ficou aliviado por eu estar bem, agiu sem pensar.

O carro dele estava em frente a mansão, como se por mais que ele quisesse voltar aos nossos papeis não conseguisse, brinquei com minhas mãos no banco ao seu lado e respirei fundo pensando que em algum momento teríamos que entrar se não viriam investigar o porque dessa atitude esquisita. Aaron tinha a cabeça encostada no volante e apertava ele tão forte como se quisesse se controlar sobre algo. Talvez para não ser rude comigo. Ele veio em silêncio por todo o caminho.

— Por que me impediu de vê-los? — a primeira coisa que ele falou não foi sobre o beijo, foi sobre minha ação de ontem de poupá-lo de passar por uma descoberta a qual eu fiz e ainda estava tentando lidar. Me pergunto quando me tornei alguém que se preocupa com outra pessoa. Mas fiz isso por ele, se Aaron soubesse se odiaria mais.

Tirei o cinto o suficiente para me acomodar melhor e olhei para o céu a nossa frente de maneira calma.

— Porque preciso que você esteja inteiro para me ajudar, e se você os ouvisse se quebraria em tantos pedaços que nunca seria capaz de voltar. Foi um motivo totalmente egoísta. — afirmei em meu tom sagaz de sempre, Aaron repetiu meu gesto anterior e me olhou como se dissesse que sabe me desvendar o suficiente para saber que dessa vez estou mentindo.

— Talvez eu precise ouvir para seguir em frente. — ele sabia que não, que se fosse pior do que ele achava ele ainda não estaria pronto.

— Você precisa, mas não agora. — tenho certeza sobre isso. Então sorrio sem humor. — Tive uma conversa com Charlezie hoje, se quer saber como descobri o que eles falariam, ela pensou que me atingiria com o que disse. Mas eu não me importei. — espero que ele aceite essa confissão não muito clara.

— Por quê? — seja lá o que fosse sobre ele só importava o que era sobre mim, foi isso que me fez confundir as coisas. Aaron soar como se só eu importasse.

— Porque o que ela disse não era verdade, assim como quando você pensa que é sua culpa que sua namorada tenha morrido. Foi por sua causa, mas não foi você que a matou. A circunstância não incrimina mas sim o fato. — sussurro a verdade, porque é assim que meu coração vê, Aaron balança a cabeça negando.

— Não importa por qual lado eu veja, ainda é minha culpa. — ele provavelmente lutaria muito para deixar de acreditar nisso. Sorri mesmo em meio a tanto incomodo pelo beijo não explicado e não apreciado.

— Se um cara esmurrar outro, tão agressivamente e longamente que causa nele uma morte cerebral, deixando apenas seu corpo vivo, a vítima é doador de órgãos, e durante a cirurgia de retirada o médico comete um erro e mata seu corpo antes da hora, sendo que eventualmente ele iria morrer. Quem é o assassino, o cara que bateu nele ou o médico? — pergunto de modo sincero, Aaron não precisa refletir muito.

Tudo Ou Nada - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora