Antônio Rodrigues era rapaz bonito, galante, de bigodinho fino e encerado, sapatos brilhantes e boa procedência familiar. O passado da família abonava em tudo seu futuro: gente lúcida, trabalhadora e devota. Entretanto tinha um defeito: a tolice lhe consumia os miolos. Seus planos de vida eram os mais esquisitos e não se adequavam a vida camponesa da região do Mato Grande. Propunha empreitas futuras que não faziam sentido, exceto para ele, e que, claramente, à Manoela, uma moça esperta, que sempre acompanhou de perto os negócios do pai e estudou no melhor colégio da capital, enquanto morou com a madrinha (recém viúva), não obteria nenhum êxito. A mãe a consolava dizendo que não havia no lugar rapaz semelhante na educação e no trato, que a ela certamente não faltaria fidelidade e respeito. Que mais carecia uma mulher?
Assim, o namoro se estendeu por alguns meses, a contragosto da namorada, sempre sisuda, e culminou em um noivado, aceito de bico torcido e sob sérias ameaças. Já de início Manoela alertou: "com ele não caso". A mãe e as irmãs, preocupadas com o de comer, não lhe deram ouvidos. Focaram na festa. O pai, indiferente e severo, disse entre uma e outra garfada de feijão e arroz: se não queria casar, não inventasse moda. Ela trancou-se no quarto. Não se casaria com um bunda mole, dono de um andado de frango destroncado e de uma fineza similar às moças. Aceitara de mau grado o namoro, renegaria de bom grado o casamento.
Dias depois do noivado (mortas as galinhas e assadas as leitoas), Manoela, que não conseguira se livrar do encosto, firmou as vistas nas mãos dele e atinou de perguntar uma coisa: "vamos viver de que?" Esse assunto nunca havia lhe passado pela cabeça, mas agora a preocupara: como ia se casar com um homem que não trabalhava? Ia morrer de fome? O noivo, constrangido, disse que era mais dado aos serviços de escritório, havia estudado em Vila Boa para isso. Ela, encucada e ainda mais preocupada, procurou de que isso era útil ali no Mato Grande ou se ele pretendia mudar para a cidade. A resposta demorou tanto a vir e que quando veio não foi convincente.
Bastou dois dias para que tudo fosse rompido por meio de um bilhetinho sucinto, escrito a bico de pena, em letras redondinhas em uma meia folha de papel amarelado. Quincas bradou, Idalina chorou envergonhada, mas Manoela não se dissuadiu. Ou aceitavam a ruptura do compromisso ou ela faria uma besteira, se preciso fosse. Casar com um lerdo preguiçoso? Nem em sonho.
Um ano depois, Manoela trocou olhares e galanteios com Delfino em um pouso de folia. O namoro garrou firme e foi oficializado dentro dos costumes. O rapaz não era de todo atraente, com exceção das covinhas, porém era corpulento e trabalhador. Disciplinado e sistemático, era de poucas palavras. Os assuntos não variavam nunca: o clima, a colheita do ano anterior, as possibilidades da colheita do ano corrente, mas nada, exatamente, nada que indicasse suas emoções ou suas pretensões futuras. Impenetrável como um coco de macaúba, não deixava ver o que lhe ia dentro.
Novo ainda assumiu o comando da fazenda, duplicando a colheita e abarrotando as tulhas, outrora acinzentadas de teias de aranha. Na disputa da enxada saía sempre à frente. Na roçagem do pasto, desbravava o mato com ímpeto. As mãos ásperas e duras eram seu principal atestado. Falavam por si. Com cinco meses de namoro, pediu casamento. Manoela consentiu animada, embora as calúnias e os agouros das más línguas do Mato Grande fossem muitos. Inclusive suspirou aliviada, aquele dali não a deixaria morrer de fome.
Com reservas e pouca gente, fez-se o noivado.
Manoela já tinha cinco cortes de calça de algodão, três colchas de retalho, seis lençóis com babado de casinha de abelha e dez fronhas com D & M bordadas, quando Delfino entrou casa a dentro mais acabrunhado que o de costume. Os olhos grudados nas botinas. Ar de quem queria prosa séria. Remexeu daqui, remexeu dali. Algo nitidamente o incomodava. Ela, sabida que era, deu tempo para que entrasse, por si, no assunto que motivara a visita. Este só veio, na verdade, alguns quartos de hora depois, pois a conversa comprida misturou vacas curraleiras, bois caracus, a arroba do capado e a vida até chegar à notícia: o noivo rompia o noivado e se dispunha a custear os prejuízos.
_ Me diga o motivo _ indagou Manoela, retirando os olhos do bastidor e pregando-os em Delfino.
_ É... _ começou ele empalidecendo. _ Num sei se devo dizer... É que...
_ Você tem outra? _ interrompeu furiosa.
_ Ainda não, mas é pra ter _ respondeu amedrontado.
_ Você não tem que custear prejuízo nenhum, Delfino _ continuou ela, retomando o bordado. _ Guarda seu dinheiro para a outra, ela vai precisar. Isto se conseguir fazê-lo cumprir a palavra. De que adianta todo esse porte de bom moço? _ parou e voltou a olhá-lo nos olhos. _ Covardia não se disfarça.
Delfino pegou o chapéu e sumiu.
Naquele dia Manoela chorou seu fracasso enquanto desmanchava os bordados das fronhas. Quando achava ter encontrado o homem ideal, vinha a vida e o arrancava, desavisadamente, como se arranca um pé de mandioca, legeira e bruscamente, do chão duro. Sentiu-se humilhada. As irmãs vieram consolá-la e foram enxotadas, entre resmungos e "me deixem quieta". Custou a recuperar-se.
Foi então que apareceu o Brás. Rapaz troncudo, camisa sempre aberta no peito e a fuligem de pelos negros a mostra. Ele tinha lá seus vinte e poucos anos e uma imponência de macho sadio. As esporas sibilavam no cascalho, arrancavam faísca. A pisada era de um boi. Chegara ao Mato Grande no alvorecer de uma manhã fria de junho, sem indicações da vida pregressa, acompanhado pelo pai, Limiro, um velho desdentado, metido a valente, e a irmã, Liolina, uma moça mirrada, e em poucos dias montou fazenda.
Manoela o conheceu numa festa de janeiro, na casa da rainha de São Sebastião. Brás a pajeou por muito tempo no meio do povo, perscrutando seus caminhos, a espreita de uma lacuna para se apresentar sem ser indelicado. No menor deslize dela, assim o fez, com mesuras e dentes à mostra. Ela, desacreditada da vida, sorriu novamente ao destino.
O namoro, levado a cabo, foi extremamente estimulante, pois o rapaz, muito sabido e vivido, não deixava nada a desejar. Quincas e Idalina fizeram gosto. A estirpe e a postura do rapaz não poderiam ser mais apropriadas, além de tudo ninguém no Mato Grande duvidava das vantajosas economias da pequena família composta de três cabeças, das quais Brás era a mais pensante.
O pedido de casamento aconteceu no São João. Pegara a noiva de surpresa, distraída que estava organizando uns manés pelados na gamela. Ela silenciou-se por um tempo e riu acanhadamente, murmurando a palavra que selaria seu destino: "aceito". Logo em seguida, entre um riso e outro, teve pressentimento de que agira presunçosamente e, conforme sua sina, não iria se casar com Brás. Tentou afugentar, é verdade, os antigos fantasmas, mas não conseguira. Eles perseguiram-na dia após dia. Dali em diante, por fora era alegria, por dentro insegurança.
Não bordou B&M nas fronhas, nem procurou meios de adiantar as últimas peças do enxoval, embora a mãe ralhasse severamente que haveria de chegar o casamento e ela estaria com muitas coisas por fazer. Ansiosa, dia a dia, desde o noivado, esperava que algo acontecesse, porque, como sabia, as tragédias de amor lhe tinham grande apreço e não a privariam de mais um martírio. Uma batida de palmas na porta de casa ou o cochicho de alguém nos cantos escuros a deixava na retaguarda. Perguntava "que é?", "que estão falando?". Depois veio essa confusão de pensamentos e incertezas. Que haveria de fazer? A vida não lhe apresentava muitas possibilidades. Querendo ou não ela iria se casar.
Dia de São João.
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Amor e distinção
RomanceCapa gentilmente cedida por @sargentoboebel. É a década de 1920. Constantes transformações acontecem no país, na cidade, no campo e em Manoela, uma camponesa cujos cabelos cheiram a flor de laranjeira. Rompidos três noivados, aniquilada a reputação...